domingo, 31 de dezembro de 2023

Festa da Sagrada Família

 


Lucas 2, 34-35

(Simão disse a Maria: ‘Eis que este menino está destinado a ser ocasião de queda e elevação de muitos em Israel e sinal de contradição’)

 

Pessoas que me carregam no braço,
constroem em mim uma lembrança,
eliminam o meu cansaço,
fazem-me caminhar com segurança,
relacionam-me com Ele -
Assim Deus é honrado.
 
Filhos entregues aos meus cuidados,
constroem em mim um coração.
Pedem contos de tempos passados
e me fazem crer na união.
Suas perguntas me fazem continuar -
Assim Deus é honrado.
 
Pai e mãe, não se espantem.
Recebam e acolham seu filho e a dor,
pra que no futuro vos encantem.
Também na tristeza, cumpram a aliança do amor -
Assim Deus é honrado.
 
 

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

 


Caminhavam entre a grama alta sob vegetação rasteira escura, que aqui e acolá deixava passar um estreito e reluzente raio lunar.

"Você já ouviu os grilos nas dunas à noite, João? Parece que eles estão fazendo um show, não é? E você nunca consegue ouvir de onde vem o som. Agora, eles nunca cantam por diversão, mas esse som vem da escolinha de grilos, onde uma centena deles aprendem suas lições de cor. Cale-se agora, pois estamos quase chegando".

Cri! Cri!

A vegetação rasteira tornou-se menos densa, e quando Filho da Madrugada separou as folhas de grama com a sua flor, João viu uma pequena clareira, onde os grilos estavam aprendendo as suas lições entre a grama fina e comprida das dunas

 Cri! Cri!

Um grilo grande e gordo era o professor que tomava a lição. Um a um, os discípulos saltavam para ele, sempre com um único salto, e com outro de volta para seus lugares. Quem errava no salto tinha que ficar de castigo num cogumelo.

"Ouça com atenção, João! Talvez você possa aprender algo também", disse Filho da Madrugada.

João entendia muito bem o que os grilos estavam respondendo. Mas não era nada parecido com o que o professor da sua escola contava. Primeiro vinha a geografia. Eles não sabiam nada dos continentes. Bastava conhecer 26 dunas e duas lagoas. Ninguém era capaz de saber algo daquilo que estava além disso, dizia o professor, e o que se falava disso era vã fantasia.

Depois foi a vez da botânica. Todos eles eram muito sábios e muitos prêmios foram distribuídos, lâminas de grama novinhas e tenras, selecionadas e de diferentes comprimentos.

Mas o que surpreendeu mais o João foi a zoologia. Os animais foram divididos em salteadores, voadores e rastejadores. Os grilos sabiam saltar e voar e assim estavam no topo, seguidos pelos sapos. Os pássaros, com todos os sinais de horror, eram chamados de mais nocivos e perigosos. Por fim, o homem também foi discutido. Era um animal grande, inútil e ofensivo, que ficava muito baixo no ranking, pois não sabia voar nem pular, mas que felizmente era raro. Um pequeno grilo, que nunca tinha visto um homem antes, recebeu três golpes com um canudo, porque erroneamente contou o homem entre os animais inofensivos.

João nunca tinha ouvido uma coisa dessas.

Então o professor de repente gritou: "Silêncio! Exercício de salto!' Imediatamente todos os grilos pararam de aprender lições e começaram a brincar de “pula-sela” de uma maneira muito artística e laboriosa. O professor gordo primeiro

Foi uma visão tão alegre que o João bateu palmas de alegria. Por causa deste som, toda a escola correu para a duna na mesma hora e ficou como morta, quieta no gramado.

"Sim, é isso que acontece, João. Não seja tão rude! Dá para ver que você nasceu entre os homens.

"Sinto muito, vou dar o meu melhor. Mas também foi tão bonito de ver!"

"Vai ser muito mais legal ainda", disse Filho da Madrugada.

Atravessaram o gramado e subiram a duna do outro lado.

Ufa! Isso é pesado na areia grossa; mas quando João segurou a roupa azul clara do Filho da Madrugada, o mesmo voou rápida e suavemente para cima. Na metade do caminho havia uma toca de coelho.

O coelho que ali morava estava deitado com a cabeça e as patas dianteiras para fora da entrada. As rosas das dunas ainda estavam florescendo e sua fragrância fina e macia se misturava com a do tomilho que crescia no topo das dunas.

Muitas vezes o João tinha visto coelhos desaparecerem em suas tocas e então sempre pensava: "Como será lá dentro? Quantos estariam sentados ali juntos e será que não estariam com falta de ar?”

Por isso, ficou muito satisfeito quando ouviu seu companheiro perguntar ao coelho se eles poderiam dar uma olhada na toca. "Quanto a mim, tudo bem", disse o coelho. "Mas é lamentável que eu tenha emprestado a minha toca esta noite para um evento beneficente e, por isso, não sou realmente o dono da minha casa."

"Puxa! Houve um acidente?”

"Ah, sim", disse o coelho melancolicamente, "uma grande calamidade! Não vamos conseguir superar isso em anos. A mil saltos daqui foi construída uma casa de homens, enorme! E as pessoas passaram a conviver com cachorros. Sete membros da minha família foram mortos e três vezes mais foram tirados de suas tocas. E ficou ainda pior com a família Camundongo e a família Toupeira. Os sapos também sofreram muito. Agora organizamos uma reunião para as famílias que sobreviveram. Cada um contribuiu com algo, eu emprestei a minha toca. É preciso estar disposto a fazer algo para os semelhantes, não é?"

O coelho piedoso suspirou e com a pata dianteira direita puxou a longa orelha sobre sua cabeça, para enxugar uma lágrima no seu olho. Esse era o lenço dele.

Havia um farfalhar no chão e uma figura grossa e pesada veio se movendo em direção à toca.

"Olha!", disse Filho da Madrugada, "lá vem o Pai Sapo saltitando. Ploff! Ploff! Não é muito tarde para um bate papo, Sapo?"

O Sapo não tomou conhecimento da brincadeira. Ele estava entediado de gentilezas com seu nome há muito tempo. Com calma, deitou uma espiga cheia de milho, bem enrolada em uma folha seca, na entrada e subiu agilmente sobre as costas do coelho até a toca. "Podemos entrar?", disse João, muito curioso. "Também vou dar alguma coisa."

Lembrou-se que ainda tinha um biscoito no bolso. Um biscoito redondo de Huntley e Palmers. Quando o tirou, notou pela primeira vez o quão pequeno ele havia se tornado. Ele mal conseguia erguê-lo com as duas mãos e não entendia como cabia no bolso. "Isso é muito precioso e raro!", disse o coelho. "Esse é um presente precioso!”

Respeitosamente, deixou a entrada livre para ambos. Estava escuro na caverna, e João deixou Filho da Madrugada ir na frente. Logo viram uma luz verde pálida se aproximando. Era um vaga-lume que gentilmente se ofereceu para iluminar o caminho deles.

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

 




Escravidão no Suriname

Os proprietários neerlandeses de escravos no Suriname foram descritos como cruéis pelo escocês a serviço neerlandês, John Gabriël Stedman, no livro ‘Narrative of five years’ expedition against the revolted Negroes of Surinam in 1797’ (Narrativa de uma expedição de cinco anos contra os negros revoltosos do Suriname em 1797). O livro, traduzido por Johannes Allart para o neerlandês com o título: Reis naar Surinamen door de binnenste gedeelten van Guiana (Viagem a Suriname e pelo interior da Guiana) - publicado em 1799-1800 - tornou-se uma arma importante para os defensores, principalmente britânicos, da abolição da escravatura por causa da descrição dos maus-tratos por parte dos proprietários neerlandeses de escravos no Suriname e das ilustrações de William Blake desses maus tratos.

A Sociedade do Suriname recolheu uma porcentagem da renda obtida com o mercado interno de escravos. Para escapar disso, trazer escravos secretamente para terra não era incomum. Esse contrabando, também de mercadorias, era chamado de "descaminho".

Quilombolas em Suriname

A partir da chegada dos primeiros escravos da África ao Suriname, alguns deles fugiram para o interior. Eles conheciam a selva e os pântanos, e fundaram ali mini estados. De lá, invadiam fazendas, saqueavam e libertavam escravos. Os neerlandeses pouco podiam fazer a este respeito. Finalmente, a partir de 1760, a administração colonial concluiu tratados de paz com grupos de quilombolas. Capitães bem conhecidos dos quilombolas foram Adyáko Benti Basiton (conhecido como Boston Bendt), Adoe, Alabi, Boni e Broos.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Natal

 



Lucas 2, 6-7

(Completaram-se os dias para o parto e ela deu à luz o seu filho primogênito)

 

Por velhas histórias despertado,
por canções de luz e glória,
busquei com afeto antecipado
a família que mudou a história.
 
Encontrei uma mãe feliz, mas cansada
depois de uma noite mal dormida.
E um pai: com a face assustada,
atrapalhada e comovida.
 
Será que acharei uma criança que ainda não chora,
um Salvador, um Príncipe de Paz agora?
 
A hora do nascimento apenas está começando,
a criação geme sob as dores do parto.
O caminho da chegada está dilatando,
Mas para o nascituro sequer há um quarto.
Deixe que venha!
 
Isso para nós será o signo:
O Filho do Homem Fidedigno!
 

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek)

sábado, 23 de dezembro de 2023

Quarto Domingo do Advento

           



Lucas 1, 30-31

(Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus)

 

Onde vai morar o Altíssimo?
Igrejas e casas estão lotadas sem privacidade.
Por demais enfrenta-se tudo por um sonho especificada.
 
Onde vai morar o Altíssimo?
Numa tenda de abrigados sem dignidade,
onde se encontra grande parte da humanidade?
 
Menina Maria, com teu olhar escuríssimo,
Quem está na porta atrás de ti?
Um mensageiro do Altíssimo.
A sombra duma luz que não é daqui.
 
Com olhos te procurando.
E uma boca te saudando:
“Cheia de graças, não tenhas medo!”

 

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek)

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

O Pequeno João


 


João é um garoto com uma grande imaginação. Ele quer encontrar a verdade. Na história, ele cresce de criança a jovem adulto. No processo, ele conhece vários personagens que exercem influência sobre ele. João, nome muito comum, significa qualquer um de nós.

Hoje vamos conhecer o segundo personagem: Filho da Madrugada. Ele é o filho do sol. Ele sabe tudo sobre a natureza e ensina João a entender a linguagem das plantas e dos animais. Filho da Madrugada representa a imaginação das crianças pequenas.

 

E Filho da Madrugada riu e olhou tão confidencialmente nos olhos do João que este se sentia maravilhosamente abençoado. "Hoje é o meu aniversário", disse Filho da Madrugada, "nasci aqui nesta região dos primeiros raios da lua e dos últimos do sol. Costuma-se dizer que o sol é feminino. Isso não é verdade. Ele é meu pai".

João resolveu que no dia seguinte ia falar na escola do sol.

"E olhe só! Veja o rosto redondo e branco da minha mãe. Olá mãe! Oh, oh, como ela parece bondosa e deprimida!"

Ele apontou para as Cordilheiras Orientais. Grande e brilhante, a lua ergueu-se no céu cinzento, atrás das rendas dos salgueiros que se destacavam pretas contra o disco de luz. Ela realmente estava com um rosto muito doloroso.

"Ora! Ora, Mãe! Não é nada. Não se preocupe, posso confiar nele!"

A bela criatura tremeu alegremente com suas asas de gaze e bateu na bochecha de João com a flor de Iris que segurava em sua mão. "Ela não aprova a minha aproximação de você. Você é o primeiro. Mas eu confio em você, João. Você nunca deve mencionar meu nome a ninguém ou falar de mim. Você promete isso?"

"Sim, Filho da Madrugada", disse João. Ainda era tão estranho para ele. Sentia-se inexpressivamente feliz, mas temia perder essa felicidade. Será que ele estava sonhando? Ao lado dele, no assento, Presto dormia tranquilamente. O hálito quente do seu cachorro o tranquilizava. Os mosquitos rastejavam na superfície da água e dançavam no ar ameno, como de costume. Era tudo tão claro ao seu redor. Tinha que ser verdade. E ele continuava a sentir o olhar familiar de Filho da Madrugada pousando sobre ele.

A voz de Filho da Madrugada era doce e murmurante:

"Eu sempre via você aqui, João. Sabe onde eu estava? Às vezes, eu me sentava no chão arenoso da lagoa entre as plantas aquáticas densas e olhava para você enquanto você se curvava sobre a água para beber ou para olhar para os besouros aquáticos e salamandras. Mas você nunca me via. Muitas vezes, também, eu olhava para você fora dos juncos grossos. Lá eu estou muitas vezes. É onde eu costumo dormir, quando está quente. Num ninho de pardal do junco.

Sim! Isso é muito suave'. Filho da Madrugada balançava contente na borda do barco e golpeava os mosquitos com sua flor.

"Agora vim para fazer companhia. Caso contrário, sua vida é tão monótona. Seremos bons amigos e eu vou contar-lhe muita coisa. Coisas muito melhores do que aquelas que os seus professores lhe dizem. Eles não sabem nada sobre isso. E se você não acreditar em mim, eu vou te mostrar e fazer ouvir. Vou levar você comigo".

"Oh, Filho da Madrugada! Caro Filho da Madrugada! Você pode me levar até lá?", gritou João, apontando para o lado onde a luz roxa do sol poente acabara de brilhar a partir do portão dourado das nuvens. Já já o glorioso colosso ia desaparecer em névoas cinzentas. No entanto, o brilho vermelho pálido ainda reluzia das profundezas mais distantes. Filho da Madrugada olhou para a luz que dourava seu rosto fino e seus cabelos claros e balançou a cabeça suavemente. "Agora não! Agora não, João! Você não deve pedir muito de imediato. Eu mesmo nunca mais estive com o pai".

"Estou sempre com meu pai", disse João.

"Não! Esse não é o seu pai. Somos irmãos, meu Pai também é o seu. Mas sua mãe é a terra e, portanto, nós somos muito diferentes. Além do mais, você nasceu em uma casa com seres humanos e eu em um cálice da flor chamada “bom-dia”, o que é, sem dúvida, muito melhor. Mas vamo-nos dar bem!"

Em seguida, Filho da Madrugada pulou levemente na lateral do barco e beijou João na testa.

Que sensação estranha foi isso para João! Era como se tudo ao seu redor mudasse.

Ele via tudo muito melhor e mais corretamente agora, pensou. Ele via como a lua agora parecia muito mais amigável e que os nenúfares tinham rostos com os quais o olhavam com admiração e pensativamente.

Ele agora entendia por que os mosquitos dançavam para cima e para baixo tão alegremente, sempre um ao redor do outro; para cima e para baixo, até tocarem a água com suas longas pernas. Ele já havia pensado nisso antes, mas agora o entendimento era automático.

Ele também ouvia o que os juncos sussurravam e como as árvores na margem lamentavam suavemente que o sol havia se posto.

"Oh, Filho da Madrugada! Obrigado, isso é maravilhoso. Sim, vamos nos dar bem!"

"Dá-me a mão", disse Filho da Madrugada, e estendeu as asas de muitas cores. Em seguida, puxou João e o barco sobre a água através das folhas que brilhavam ao luar.

Aqui e acolá havia um sapo sentado numa folha. Mas agora ele não pulava na água quando João passava. Ele apenas se curvou um pouco e disse: "Quac!" João se curvava educadamente; ele não queria mostrar-se como tudo fosse imaginário.

Finalmente chegaram aos juncos, que eram bem largos, e o barco todo desapareceu neles, sem chegar à terra. Mas João agarrou-se firmemente ao seu guia e juntos escalaram os altos talos até chegar em terra.

João pensou que tinha ficado menor e mais leve, mas isso pode ter sido imaginação. No entanto, ele não se lembrava de que alguma vez tinha sido capaz de subir num junco.

"Agora preste muita atenção", disse Filho da Madrugada, "agora você verá algo interessante".

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

História da Escravidão

 



Tráfico de escravos atlântico

A participação da República no tráfico de escravos atlântico era em média de cerca de cinco por cento, cerca de 500 mil pessoas. O tráfico de escravos pela Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais (CIO) contribuiu para o status dos Países Baixos como uma potência econômica mundial, especialmente nos anos iniciais.

Já em 1528, um ‘asiento’ foi celebrado entre a Coroa Espanhola e os comerciantes Willem Sailler e Hendrik Eynger provavelmente do sul dos Países Baixos, para trazer quatro mil escravos da África para o Caribe durante quatro anos. No entanto, o tráfico de escravos foi inicialmente considerado imoral nos Países Baixos. Ia contra as normas e valores cristãos e, inicialmente, as pessoas se abstinham disso.

(Um asiento era um documento, incluído em alguns tratados de paz, pelo qual um grupo de comerciantes recebia o monopólio de uma rota ou produto comercial. Assim como a tabacaria, o asiento era uma licença emitida pela coroa espanhola, mas na qual um grupo de comerciantes e não indivíduos receberam o monopólio de uma rota comercial ou produto. – Wikipédia.)

 As primeiras ações dos neerlandeses no tráfico de escravos atlântico ocorreram dentro do sistema português. Neerlandeses a serviço de portugueses, ou capitães neerlandeses com licenças de portugueses, negociavam escravos. Este primeiro período é difícil de quantificar, mas em 1596 cento e trinta escravos foram trazidos para Middelburg (Cidade nos Países Baixos) por um capitão neerlandês, portanto o comércio já tinha um escopo bem claro. O abastecimento aos Países Baixos foi uma exceção, porque o comércio ia - ou via Lisboa ou diretamente - para o destino final.

Na guerra contra os espanhóis e os portugueses, a pirataria era legítima. Após sua fundação em 1621, esta foi o principal objetivo e fonte de renda da Companhia das Índias Ocidentais (CIO). Entre 1623 e 1636, 547 navios espanhóis e portugueses foram capturados. Então foi criado o ‘Grande Desseyn’, o Grande Projeto. O comércio português de cana-de-açúcar do Brasil tinha que ser minado para ser substituído pelo tráfico de escravos. Com a conquista da Frota da Prata em 1628, havia disponibilidade suficiente de dinheiro.

(A frota da prata ou frota das Índias foi um transporte marítimo anual de diversos metais (ouro e prata), pedras preciosas, especiarias, bens agrícolas (tabaco) e outros produtos exóticos das colônias espanholas para a Espanha. O transporte ocorria por meio de duas frotas, que se reuniam perto de Havana e que juntas partiam para a Europa. O valor da prata transportada era enorme; cerca de 12 milhões de ducados por ano e 25 milhões de ducados por ano no final do século XVI. Essa riqueza atraia todo os tipos de corsários e piratas, mas eles raramente conseguiam interceptar a frota. Uma das raras vezes que a frota foi interceptada, ocorreu em 8 de setembro de 1628, quando o almirante neerlandês Piet Heyn conquistou uma frota da prata. – Wikipédia)

Entre 1630 e 1634, Recife foi conquistada juntamente com grande parte da costa brasileira e tornou-se o Brasil neerlandês. Em 1637, foi capturado o Forte São Jorge de Elmina, na Costa do Ouro Africana (no Golfo do Benim), o núcleo central do tráfico de escravos dos portugueses. Nos séculos seguintes, esta fortaleza formaria um dos centros do tráfico de escravos da Companhia das Índias Ocidentais (CIO). Em 1641, Luanda (localizada na atual Angola) também foi conquistada dos portugueses. Por volta de 1700, a Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais (CIO) possuía uma dúzia de fortalezas comerciais na costa da África Ocidental.

O tráfico de escravos neerlandês tomou grandes dimensões, com justificativa encontrada no livro bíblico de Gênesis 9 - no qual os descendentes de Cam são amaldiçoados à escravidão. Para manter a produção de açúcar, muitos fazendeiros portugueses na parte conquistada do Brasil conseguiram manter a sua fazenda. Isso exigia escravos privados. As visões sobre o tráfico de escravos pareciam ter mudado drasticamente. Os não-cristãos podiam ser vendidos como escravos.

A partir de 1640, o tráfico de escravos com o Brasil começou a declinar e o comércio foi deslocado para as colônias espanholas na América. Inicialmente, os comerciantes neerlandeses transportavam escravos para Buenos Aires e Rio da Prata, na atual Argentina, mais tarde o Caribe também se tornou alvo do tráfico de escravos. Quando o Brasil foi recapturado por Portugal, em 1654, cerca de 25 mil escravos já haviam sido desembarcados. Após essa reconquista, o cultivo da cana-de-açúcar foi transferido para o Caribe, e Curaçao, conquistado em 1634, tornou-se então o ponto de encontro de escravos neerlandês. Após a conquista inglesa da Jamaica, em 1655, tornou-se um importante mercado de trânsito de escravos para as colônias espanholas. Novos compradores também foram encontrados entre os ingleses e franceses que cultivavam tabaco nas ilhas que conquistaram no Caribe e na Virgínia, mas a maioria dos escravos foi para o Suriname, que estava definitivamente em mãos neerlandesas a partir de 1668.

domingo, 17 de dezembro de 2023

Terceiro Domingo do Advento




Lucas 1, 53-54

(Encheu de bens os famintos e aos ricos despediu de mãos vazias)

 

Quem olhar e escutar com atenção
descobre pessoas que procuram e gritam.
Muitas pessoas, perguntas e confusão,
que a outros irritam.
 
Às vezes uma janela aberta,
alguém olhando para nós.
Uma mulher que está em alerta
por outra pessoa que viva a sós.
Um mensageiro de alegria?
 
Ouça a voz do profeta:
Prepare o caminho, Deus está vindo.
No deserto surge o asceta,

E a terra dará frutos sorrindo!

 

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek) 

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

O Pequeno João

 


II

Estava quente junto à lagoa e havia um silêncio total. O sol, vermelho e cansado de seu trabalho do dia, parecia descansar por um momento no encosto de uma duna distante antes de mergulhar. A água lisa refletia quase todo o seu rosto brilhante. As folhas da faia penduradas sobre a lagoa aproveitavam o silêncio para se olharem cuidadosamente no espelho. A garça solitária, de pé sobre uma perna, entre as folhas largas do lírio-d ‘água, esqueceu-se de que tinha saído para pegar sapos e olhava pensativa na água.

Então João chegou ao gramado para ver a gruta das nuvens. T’xim bum! t’xim bum! As rãs saltavam da margem. O espelho d’água desenhava rugas, a imagem do sol se rompia em listras largas e as folhas de faia farfalhavam perturbadas, pois ainda não haviam terminado sua contemplação.

Amarrado às raízes nuas da faia havia um barquinho velho. João estava estritamente proibido de entrar nela. Oh, quão forte foi a tentação esta noite! Já as nuvens se formavam em um vasto portão atrás do qual o sol iria descansar. Brilhantes fileiras de nuvens alinhadas ao lado como um guarda-costas de armadura dourada. A superfície da água brilhava com ela e faíscas vermelhas voavam como flechas através dos juncos.

Lentamente, João soltou a corda do barco das raízes das faias. Poder flutuar ali, no meio do esplendor! Presto já havia pulado no barco e, antes que seu mestre quisesse, os juncos se separavam e ambos se afastavam na direção do sol da tarde. João deitou-se na proa e olhou para as profundezas da gruta da luz. Asas! pensou ele, agora asas! e para lá!

O sol tinha desaparecido. As nuvens brilhavam. No Leste, o céu era azul escuro. Havia uma fila de salgueiros ao longo da margem. Imóveis, eles jogavam suas estreitas folhas brancas no ar parado. Contra o fundo escuro brilhou aquela linda renda verde pálida.

Silencio! O que foi isso? Algo disparou como um zumbido sobre a superfície da água, como uma leve rajada de vento escavando um sulco agudo na água. Veio das dunas, da gruta das nuvens. Quando João olhou para trás, uma grande libélula azul estava pousada na borda do barco. Nunca tinha visto uma tão grande. Ela ficou parada, mas suas asas continuaram tremendo em um círculo largo. Parecia a João que as pontas de suas asas formavam um anel brilhante.

Isso deve ser uma borboleta de fogo, ele pensou, elas são muito raras.

Mas o anel ficou cada vez maior e as asas tremiam tão rapidamente que João não via nada além de uma névoa. E aos poucos via dois olhos escuros brilharem na névoa. Era uma figura clara e esbelta com um manto azul tenro. Sentou-se no lugar da libélula. Nos cabelos loiros havia uma coroa de ventos brancos e nos ombros asas de tecido tule cristal que brilhavam como uma bolha de sabão em mil cores.

Um estremecimento de felicidade tocou João.

Foi um milagre! "Você vai ser meu amigo?", sussurrou.

Essa era uma maneira esquisita de dirigir-se a um estranho, mas este não era comum. E ele tinha uma sensação como se conhecesse a estranha criatura azul há muito tempo. "Sim, João!", ouviu, e a voz soava como o embaralhar dos juncos ao vento da noite, ou o farfalhar da chuva sobre as folhas na floresta.

"Como é o seu nome?", perguntou João.

"Nasci no cálice da flor chamada ‘bom-dia’. Pode chamar-me: ‘Filho da Madrugada’! “

domingo, 10 de dezembro de 2023

Segundo Domingo do Advento

 



Marcos 1,7-8

(E ele pregava dizendo: “Eu vos batizo na água, mas depois de mim virá alguém que vos batizará no Espírito Santo”)

 

 

Um profeta ou um vadio
falando Daquele a chegar?
O casaco preto, áspero e sem brilho,
um manto de justiça a instalar?
 
Veja, ele olha através de mim
e diz: “Não eu, mas Jesus”.
Alguns escutam e ouvem o conselho, sim,
e aceitam o batismo e a cruz.
 
Eles ficam de pé,
braços se entrelaçam
indefesos, mas de boa-fé.

E a justiça abraçam!

 

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek) 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

O Pequeno João

 


Você entende agora porque João admirava tanto o cão? Ele era muito íntimo do pequeno Presto. Ele não era um cão bonito ou nobre, mas um cãozinho muito bem-humorado e astuto, que nunca ficava mais de dois passos do João e sentava-se pacientemente ouvindo as instruções do seu mestre. Não preciso dizer o quanto João amava o Presto. Mas ele também tinha muito espaço no seu coração para outras coisas. Você acha estranho que seu quartinho escuro com suas pequenas vidraças também ocupasse um lugar grande ali? Gostava do papel de parede com as grandes figuras de flores, em que via rostos, e das formas de que estudara tantas vezes quando estava doente ou acordado de manhã; gostava da única pequena pintura que estava pendurada ali, retratando pessoas rígidas fazendo caminhada, num jardim ainda mais rígido, por entre lagoas lisas nas quais jorravam fontes altíssimas e nadavam cisnes coquetes; acima de tudo, no entanto, ele amava o relógio de parede. Ele sempre o dava corda com cuidado e atenção, e julgava ser uma cortesia necessária olhar para ele quando batia as horas. Claro, isso só foi possível enquanto João não dormisse. Se o relógio tivesse parado por causa de um esquecimento, João sentia-se muito culpado e pedia-lhe mil vezes perdão. Você pode rir se o ouvir falando com seu quarto, mas repare na frequência com que a gente fala consigo mesmo. E isso não lhe parece ridículo. João, além disso, estava convencido de que seus ouvintes o entendiam perfeitamente e não precisava de resposta. Mas, secretamente, ele às vezes esperava por uma resposta do relógio ou do papel de parede.

Joãozinho tinha colegas de escola, mas eles não eram realmente amigos. Ele brincava com eles e conspirava na escola e formava bandos de ladrões com eles, mas não se sentia em casa até ficar sozinho com Presto. Uma vez com ele já nem pensava mais em meninos e se sentia perfeitamente livre e seguro.

Seu pai era um homem sábio e sério, que muitas vezes levava João consigo em longas viagens por bosques e dunas. Eles conversavam pouco e João costumava andar uns dez passos atrás do pai, cumprimentando as flores que encontrava e as velhas árvores que permaneceriam sempre no mesmo lugar, deslizando a sua mãozinha suavemente sobre a casca áspera. E então os bons gigantes agradeciam farfalhando.

Às vezes, seu pai escrevia letras na areia, uma a uma, à medida que avançava e João soletrava as palavras que elas formavam. Outras vezes, o pai parava e ensinava a João o nome de uma planta ou animal.

E, com frequência, João também fazia perguntas, pois via e ouvia muitas coisas misteriosas. Muitas vezes fazia perguntas estúpidas. Ele perguntou por que o mundo era como era e por que animais e plantas tinham que morrer e se milagres podiam acontecer. Mas o pai de João era um homem sábio e não dizia tudo o que sabia. Isso era bom para João.

À noite, antes de dormir, João sempre fazia uma longa oração. A empregada ensinara-lhe isso. Ele orava por seu pai e por Presto. Simão não precisava disso, pensava. Ele também orava por si mesmo por longo tempo e o fim geralmente era o desejo de que um milagre pudesse acontecer. E quando disse amém, olhava ansioso no quarto meio escuro para as figuras do papel de parede, que pareciam mais estranhos ainda na luz fraca, para a maçaneta da porta e para o relógio, onde o milagre podia começar agora. Mas o relógio continuava a fazer o seu tique-tique na mesma toada, e a maçaneta não se movia. Ficava bastante escuro e João adormecia sem que o milagre tivesse chegado.

Mas um dia isso aconteceria, ele sabia disso.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

História da escravidão




História da escravidão neerlandesa

 

A história da escravatura neerlandesa refere-se à escravatura nos próprios Países Baixos, mas também à criação de escravatura fora dos Países Baixos e ao papel dos Países Baixos nela.

Questão legal

A escravidão é um fenômeno social em que as pessoas são de propriedade de outra pessoa. Os escravos estão, portanto, sujeitos ao direito de propriedade. Nem todas as sociedades estabeleceram esse direito de propriedade da mesma maneira, mas a abordagem é a mesma. A escravidão ocorreu em todo o mundo. O fato de que os proprietários de escravos tinham o direito de tratar os escravos de uma determinada maneira não significava necessariamente que isso também fosse aceito pela sociedade. Por exemplo, a marca no rosto era legalmente permitida pelos romanos, mas sentida como imoral.

 Na Europa (medieval), os escravos eram divididos em: servos da gleba, servos e libertos. Cada um deles pode ser visto como o próximo passo em uma escala para o que é chamado de uma pessoa livre. Não é como se esses passos fossem feitos dessa forma. Significava mais que uma pessoa era colocada em um desses grupos dependendo de seus direitos.

Escravidão nos Países Baixos

Tanto os celtas quanto os alemães tinham uma sociedade de nobres, livres, semilivres e escravos. Também durante a época romana, haviam escravos. Os frísios também comercializavam escravos, que eram destinados principalmente aos mercados de escravos na Espanha e no Cairo. A escravidão continuaria até o final da Idade Média, quando decretos papais proibiram a escravização de CRISTÃOS.

Oficialmente, a escravidão não existia no território da República dos Sete Países Baixos Unidos (o nome dos Países Baixos naquela época), mas na realidade o status dos escravos nos Países Baixos era uma área cinzenta. No século XVI, segundo o professor de Lovaina do século XVI, Petrus Gudelinus, um escravo fugido foi libertado em Mechelen, sob o argumento de que a escravidão não era reconhecida nos Países Baixos. Na prática, esta afirmação foi muitas vezes ignorada: comerciantes espanhóis e portugueses, em particular, traziam regularmente escravos para os Países Baixos como servos. Mais tarde, especialmente a partir do século XVIII, vieram também escravos de senhores de engenho, embora estes ainda fossem em número relativamente pequeno. Por exemplo, entre 1729 e 1775, uma média de 10 negros, nem todos escravos, viajavam por ano entre o Suriname e os Países Baixos, a maioria dos quais retornava após uma curta estadia. Embora eles pudessem recorrer ao tribunal para reivindicar sua liberdade, isso raramente acontecia. Mesmo nos casos em que os escravos tentavam reivindicar sua liberdade, isso não necessariamente funcionava. Em 1736, um escravo chamado Claes escapou de Curaçao como clandestino em um navio para os Países Baixos. No entanto, a Suprema Corte das Províncias de Holanda, Zelândia e Frísia Ocidental declarou que ele permaneceria propriedade da condutora de escravos, Paulina Meyer, porque ele seria um ladrão de si mesmo (fur sui ipsius) e propriedade roubada (res furtiva).

Em 1776, o Parlamento publicou uma resolução sobre o estatuto dos "não livres" nos Países Baixos onde todos eram livres. Sublinha que todos os seres humanos devem, em princípio, ser reconhecidos e considerados como pessoas livres. Os escravos que vieram para os Países Baixos obtinham legalmente sua liberdade e eram considerados pessoas livres. No entanto, havia uma exceção a isso porque, nesse caso, "os proprietários dos escravos são muitas vezes, contra a sua vontade, privados de seus bens que legalmente lhes pertencem". Portanto, enquanto os proprietários não tivessem a intenção de libertar suas propriedades e a sua estadia nos Países Baixos fosse inferior a seis meses, ou doze meses por permissão especial da corte, os escravos permaneceriam não-livres. Se os escravos não fossem devolvidos dentro desse tempo, eles tinham que ser libertados. A coerência com que esta disposição foi aplicada não é clara.


domingo, 3 de dezembro de 2023

Primeiro Domingo do Advento

 

 


Salmo 80, 18

(Pousa a tua mão sobre o homem à tua direita)

 

Uma pessoa no escuro
pergunta: por quê e até quando?
Qual é o meu futuro?
Um faminto por aí andando?
Um sofredor na minha rua?
Uma criança nascendo,
empurrada pra vida à luz da lua?
Será que estou tangendo
um mundo tão escuro?
 
Será que existe luz?
Uma mão atravessando a escuridão,
rasgando, modelando me conduz!
Abra os seus olhos, observe o clarão!
Ainda é noite, diz o vigia,

mas a luz traz muita alegria!


(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek)


sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Ano Litúrgico - B

 Ano Litúrgico B

Durante anos, os desenhos de Wim Hessels determinaram
a cara dos livrinhos semanais de liturgia ‘Fonte de Espirito
Cristo’ publicados pela Gooi en Sticht - Países Baixos. Os
desenhos, inspirados nas leituras dos tais domingos,
provocaram reações muito diferentes por parte dos
usuários. Servaas Bellemakers escreveu textos curtos -
meditações, poemas e canções, às vezes sérios, às vezes
leves - para os desenhos do ano litúrgico B de Wim
Hessels.

Wim Hessels (1927-1998) começou como publicitário, mas
não conseguiu expressar suficientemente a sua
criatividade. Ele passou então a trabalhar como autônomo,
e logo começou a desenhar para várias editoras,
especialmente em cadernos de infância e livros escolares.
Ele escrevia e desenhava quadrinhos e escrevia poemas e
histórias. Só mais tarde se concentrou em desenhos de,
cunho religioso-social.

Servaas Bellemakers (1949 - 2020) estudou teologia
(liturgia) e foi catequista distrital na cidade de Tilburg.

A partir do próximo domingo, dia 03 de dezembro, leiam todos os domingos uma pequena reflexão do livro "Intérprete de Retratso Falantes".
André Oliehoek

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hesseles; Tradução: André Oliehoek)

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

O Pequeno João

 

 


O PEQUENO JOÃO

 I

 

Vou falar umas coisas sobre o Joãozinho. A minha história parece muito com um conto de fadas, mas tudo realmente aconteceu assim. Na hora que você não conseguir acreditar
mais, pare de ler, porque então eu não vou escrever para você. Também não pode nunca falar disso ao pequeno João, se por acaso encontrar com ele, pois isso o entristeceria e eu deveria lamentar ter-lhe contado tudo isso.
 
Joãozinho vivia em uma antiga casa com um grande jardim. Era difícil encontrar o caminho dentro dela, pois na casa havia muitas varandas escuras, escadas, quartos e sótãos espaçosos e no jardim havia cercas e estufas por toda parte. Era um mundo inteiro para João. Nele podia fazer longas viagens e ele dava nomes a tudo o que descobria.
 
Para as coisas dentro de casa ele tinha escolhido nomes do reino animal, como: o sótão da lagartixa, porque ali criavam-se lagartixas; o quarto do frango, porque uma vez ele tinha encontrado uma galinha lá. Ela não tinha surgido sozinha, mas tinha sido colocada ali pela mãe de João para chocar ovos. Para a horta escolhia nomes do reino vegetal, prestando especial atenção aos produtos que lhe interessavam.

Assim, ele tinha uma montanha de framboesa e um vale de morango. Bem no fundo, depois da horta, havia um espaço que ele chamava de paraíso e, é claro, que era muito lindo. Uma grande parte desse paraíso era água, uma lagoa, onde os nenúfares brancos flutuavam e os juncos mantinham longas conversas sussurradas com o vento. Do outro lado desta lagoa estavam as dunas. O paraíso propriamente dito era um pequeno pedaço de grama na margem de cá, cercada por vegetação rasteira, entre a qual a salsa do mato brotava alto. Ali, o Joãozinho gostava de se deitar na grama densa, espiando através dos juncos embaralhados até os topos das dunas sobre a água. Nas noites quentes de verão, ele estava sempre lá e permanecia por horas olhando, sem nunca ficar entediado. Pensou na profundidade da água calma e límpida diante dele, como deveria ser agradável ali, entre aquelas plantas aquáticas, naquela estranha luz fraca, e depois novamente nas nuvens distantes e lindamente coloridas que pairavam sobre as dunas. Perguntava-se o que estaria além delas e como seria maravilhoso poder voar até lá. Quando o sol acabava de se pôr, as nuvens se acumulavam ali de tal forma que pareciam formar a entrada de uma gruta e nas profundezas dela havia um brilho de suave luz vermelha. Era isso que Joãozinho queria. Se eu pudesse voar para dentro dela!... pensava. O que poderia estar por trás disso? Bem que poderia chegar lá uma vez, uma vez só...

Mas não importa quantas vezes ele desejasse, a gruta sempre se desmanchava em nuvens pálidas e escuras, sem que ele pudesse se aproximar dela. Em seguida, ficava frio e úmido junto à lagoa e tinha que voltar para seu quarto escuro na velha casa.

Lá, ele não morava sozinho; ele tinha um pai, que cuidava bem dele, um cachorro chamado Presto e um gato chamado Simão. É claro que ele amava mais seu pai, mas achava que Presto e Simão não eram inferiores ao pai, de que gente grande certamente discordava. Ele confidenciava mais segredos a Presto do que a seu pai e sentia uma admiração respeitosa por Simão. Ora, isso não era à toa! Simão era um grande gato com pelo negro brilhante e uma cauda grossa. Dava para ver que ele estava convencido de sua própria grandeza e sabedoria. Manteve-se sempre digno e distinto, mesmo quando se permitia brincar com uma rolha que rolava pela casa, ou quando comia uma cabeça de peixe esquecida atrás de uma árvore.  Diante da exuberância louca de Presto, ele estreitava os olhos verdes com desprezo e pensava: Ora, esses cães não sabem fazer outra coisa.


(Autor: Frederik van Eeden. Tradutor: André Oliehoek)

domingo, 26 de novembro de 2023

O PEQUENO JOÃO

 


O Pequeno João

 

O livro, “O Pequeno João”, começa assim: "Vou te contar uma coisa sobre o pequeno João. A minha história se parece com um conto de fadas, mas tudo realmente aconteceu assim." João é um garotinho que ama muito a natureza. Um dia ele encontra o elfo Filho da Madrugada no jardim. Filho da Madrugada leva João para o reino dos animais. João está tão entusiasmado com este mundo que gostaria de ficar lá para sempre.

Mas então Filho da Madrugada mostra também o mundo das pessoas humanas. Por causa disso, e por causa do encontro com o gnomo Eussabia, a garota Robineta, o Desfiador, o doutor Calculista, Henrique a Morte e, finalmente, o Anônimo, o conto de fadas gradualmente se torna cada vez mais sombrio e, finalmente, o João é confrontado com a escolha final: ele vai ficar no mundo dos contos de fadas do Filho da Madrugada ou ele vai escolher entrar no mundo dos humanos, onde "tristeza sem fim, cansaço e tristeza" o esperam?

O Pequeno João é uma história simbólica sobre as etapas da vida do homem e a busca pela felicidade. Cada um de nós pode ser o Pequeno João!

Embora, inicialmente, o João só conhece novos amigos maravilhosos através de sua imaginação, o livro logo assume um significado mais profundo. A linguagem é muito simples e fácil de entender.

O livro vem de uma época quando leitura de livros era obrigatória e quando histórias eram geralmente chatas, mas esta se assemelha a um conto de fadas com um começo e um fim e é gostoso de ler. A história não é muito prolixa. Característica desta época é uma descrição extensa do ambiente. Isso é a única coisa que, às vezes, faz com que o livro, com o tempo, possa tornar-se um pouco cansativo.

Autor: Frederik van Eeden (1860 – 1932),

“Frederik van Eeden foi um renomado psiquiatra, escritor e estudioso neerlandês, nascido em 3 de abril de 1860 e falecido em 16 de junho de 1932. Ele é amplamente conhecido por suas contribuições significativas para a psicologia e por ser um dos fundadores do movimento conhecido como “Movimento dos Oitentas” na literatura neerlandesa. Van Eeden também foi pioneiro no estudo dos sonhos e é considerado um dos primeiros psicanalistas da história.”

“Nascido em Haarlem, nos Países Baixos, Frederik Willem van Eeden era filho de um médico e cresceu em um ambiente intelectualmente estimulante. Desde cedo, ele demonstrou interesse pela literatura e pelas ciências, o que o levou a estudar medicina na Universidade de Amsterdã. Foi durante os seus estudos, que van Eeden se envolveu com o Movimento dos “Oitentas”, que buscava romper com as tradições literárias conservadoras e moralistas da época, para torna-la mais artística.”

“Após concluir sua formação em medicina, van Eeden se especializou em psiquiatria e começou a desenvolver suas teorias sobre a mente humana. Ele defendia a ideia que os sonhos eram uma forma de comunicação entre o consciente e o inconsciente e dedicou grande parte de sua carreira ao estudo e à interpretação dos sonhos. Van Eeden também foi um dos primeiros a utilizar a técnica de autoanálise para compreender os processos mentais e emocionais.”

“Em 1898, van Eeden fundou a revista “De Nieuwe Gids” (“A Nova Guia”), na qual só eram aceitos artigos que correspondiam às normas exigidas pelo Movimento dos Oitentas. Nela, ele publicou um artigo intitulado “A Study of Dreams” (Um Estudo de Sonhos), no qual descreveu suas experiências pessoais com os sonhos e suas teorias sobre sua natureza e significado. Esse artigo marcou o início do movimento dos sonhos, que teve um grande impacto no campo da psicologia e influenciou outros estudiosos, como Sigmund Freud.”

“Apesar de suas contribuições significativas para a psicologia, van Eeden também enfrentou críticas e controvérsias ao longo de sua carreira. Alguns estudiosos questionaram a validade de suas teorias sobre os sonhos, argumentando que elas careciam de fundamentação científica sólida. Além disso, van Eeden também foi acusado de plagiar o trabalho de outros pesquisadores, o que manchou sua reputação.”

“Além de seus estudos sobre os sonhos, van Eeden também se interessou por outros campos, como filosofia, literatura e política. Ele escreveu diversos romances e ensaios, nos quais explorou temas como a natureza da realidade, a espiritualidade e a sociedade. Van Eeden também foi um defensor dos direitos da mulher e da igualdade de gênero e participou ativamente do movimento sufragista nos Países Baixos.”

“O trabalho de Frederik van Eeden teve um impacto duradouro no campo da psicologia e da literatura. Suas teorias sobre os sonhos e sua abordagem inovadora para o estudo da mente humana abriram novos caminhos para a compreensão dos processos mentais e emocionais. Além disso, sua participação no “Movimento dos Oitentas” contribuiu para a renovação da literatura neerlandesa e influenciou gerações de escritores.”

O livro “O Pequeno João”, publicado em 1885, conforme alguns representa uma autobiografia de Frederik van Eeden. O livro foi traduzido na época para dezenas de línguas diferentes. Não encontrei, porém, a versão portuguesa e, por isso, resolvi traduzi-lo, a fim de dividir a beleza do mesmo com quem ama uma boa leitura.

No dia 30 de novembro começarão as postagens semanais do livro “O Pequeno João”!

André Oliehoek

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Introdução... Continuação

 


INTRODUÇÃO (Continuação)

 

O que é escravidão e quem se tornou escravo?

                                                Ao longo do tempo, estruturas hierárquicas se desenvolvem entre os moradores da maioria das sociedades. O líder se sente superior aos seus súditos, os pais acima dos filhos, os homens acima das mulheres, e assim por diante. Estrangeiros de outro grupo ou de outro país também eram geralmente vistos como "dignos de escravos", especialmente se tivessem sido feitos prisioneiros de guerra. Na Europa, esses "forasteiros" tinham menos direitos do que o grupo pertencente à camada mais baixa de sua própria hierarquia social e eram chamados de escravos. Isso indica que, após a queda do Império Romano do Ocidente, a maioria dos escravos veio da Europa Oriental. Mas os escravos não estavam apenas na Europa, mas também no Oriente Médio, na África subsaariana, no Sul, Sudeste e Leste Asiático, e na América Nativa, sempre com um nome diferente.

                                                           É natural supor que a maioria dos escravos eram mulheres. Afinal, era melhor matar ou vender prisioneiros de guerra do sexo masculino, porque eles não eram adequados como escravos, porque podiam facilmente fugir ou se revoltar. Essa era a situação no mundo do Antigo Testamento e na Grécia clássica e no Império Romano. Não teria sido muito diferente na Ásia, África e América Nativa. Mas, a longo prazo, havia também uma demanda por escravos do sexo masculino que pudessem realizar obras públicas ou trabalhar nas minas e nos navios. Lentamente, leis foram introduzidas sobre compra, venda e trato com escravos e em praticamente todas as culturas os escravos, assim como os animais, propriedades e terras agrícolas, podiam ser vendidos, comprados, negociados, emprestados, hipotecados, doados, penhorados, dados como dote e confiscados.

                                                           Ao contrário da Europa, os escravos em outros lugares nem sempre eram forasteiros, porque além de prisioneiros de guerra, também era possível se tornar escravos dentro do próprio grupo por culpa ou cometendo um crime ou delito. Tornar-se escravo voluntariamente também era possível, pois ser propriedade de outro significava que o proprietário tinha de fornecer comida, abrigo e proteção ao seu escravo. Para muitos pobres, a escravidão voluntária durante a escassez ou fome, às vezes, era a única maneira de sobreviver. Aliás, a condição de escrava não significava automaticamente que o escravo ou a escrava tivesse que fazer o trabalho mais difícil e sujo. Os escravos podiam ascender para se tornarem capatazes, mestres de escola e artesãos respeitados, e até mesmo conselheiros ou comandantes do exército do rei ou sultão. Os escravos, às vezes, permaneciam nas mãos de uma família geração após geração e, a longo prazo, seu status servil não era mais visível. No entanto, até hoje, muitos africanos sabem se seus ancestrais foram livres ou escravos.

                                                           Esta última afirmação mostra que há uma grande diferença entre a escravidão na África, Ásia e América Indiana, por um lado e nas colônias europeias por outro. O destino dos escravos coloniais parece ter sido muito mais desumano do que o dos escravos com senhores não europeus. No entanto, essa suposição é incompatível com os fatos. Por exemplo, os escravos dos índios Tupinambás no Brasil (Sim, os índios também tinham escravos) não precisavam fazer trabalho duro, mas eram comidos em cerimônias religiosas como animais sagrados. Algumas sociedades tinham uma política liberal de compra livre, ao mesmo tempo em que torturavam e massacravam seus escravos em massa. Mais de um milhão de viajantes, marinheiros e prisioneiros de guerra europeus acabaram como escravos no norte da África. Alguns deles podiam ser comprados gratuitamente por financiamento coletivo em casa e muitos desses ex-escravos retornados, reclamavam amargamente do mau tratamento, do trabalho árduo, especialmente nas pedreiras do norte da África e da comida escassa. Por outro lado, alguns "escravos cristãos" ocupavam altos cargos nos estados muçulmanos ao redor do Mediterrâneo.

 

terça-feira, 21 de novembro de 2023

 

A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO NEERLANDESA EM POUCAS PALAVRAS

P.C. EMMER

 

INTRODUÇÃO

A escravidão era normal, o trabalho livre era exceção

                                              

 A palavra escravidão evoca sentimentos de consternação e vergonha em quase todos no Ocidente hoje. É uma instituição da qual nos despedimos com orgulho há mais de um século. Ao fazer isso, geralmente ignoramos o fato de que a palavra escravidão ocultava todos os tipos de diferentes relações de dependência, nem todas com conteúdo negativo. Em alguns períodos e em algumas partes do mundo, as pessoas chegaram a fazer fila para se tornarem escravas. Isso porque a escravidão, às vezes, era uma instituição que poderia protegê-lo da fome e prolongar sua vida. Mas a escravidão também era, às vezes, um sistema de opressão e então os escravos organizavam revolta após revolta com o objetivo de sacudir o jugo da escravidão. A escravidão também pode ter consequências econômicas muito diferentes. Em algumas áreas e épocas, a escravidão era economicamente muito lucrativa tanto para o proprietário quanto para o escravo, enquanto em outros lugares ou em outro período o mesmo sistema trazia apenas pobreza e exploração.

                                                           A maioria das publicações sobre a escravidão e o tráfico de escravos supõe que foram principalmente os europeus que fizeram uso dessa forma de trabalho não livre para suprir suas conquistas coloniais com mão-de-obra. Nada poderia estar mais longe da verdade. O tráfico de escravos e a escravidão ocorreram em todo o mundo, e os escravos nas colônias europeias representavam apenas uma pequena porcentagem do número total de escravos no mundo. O fato de os americanos caracterizarem a escravidão no sul dos Estados Unidos como uma instituição especial é porque eles não olhavam para além de seu próprio país. Historicamente, a escravidão não é especial, mas o trabalho livre é. Quando o principal colonizador escravista, a Grã-Bretanha, proibiu a escravidão em suas colônias em 1833, apenas 4% de todos os escravos do mundo receberam liberdade. O tráfico europeu de escravos também era apenas uma parte do comércio total de escravos. Mesmo no auge do tráfico transatlântico de escravos, mais escravos eram vendidos no mercado interno e para os árabes na África do que para os europeus na costa. A participação europeia no comércio de escravos, muito menos bem descrito na Ásia, também era relativamente pequena.

                                                           No restante deste livro, limitar-me-ei a uma análise da escravidão nas colônias europeias na América do Norte, América do Sul e África do Sul. É aí que a maior parte dos dados está disponível. Primeiro, tentarei responder às perguntas: por que surgiu a instituição da escravidão, quem se tornou escravo e por que a Europa Ocidental não mais conhecia a escravidão a partir de 1350 e se tornou um estranho enclave sem escravos em um mundo cheio de escravidão? A escravidão nas colônias europeias pôde existir porque os europeus, fora do seu próprio continente, mantiveram normas e valores diferentes dos que na sua  própria casa por quase quatro séculos. A ascensão e a abolição da escravatura no Novo Mundo colonial e na África do Sul serão amplamente discutidas.

                                                Finalmente, segue-se uma visão geral do recente debate sobre a escravidão na Holanda. Com o tempo, esse debate assumiu um tom acusatório, à medida que ativistas também se envolvem, anexando demandas às suas conclusões, como pedidos de desculpas e reivindicações financeiras. O fato de que algumas posições ativistas não estão de acordo com os resultados da pesquisa científica fica claro nas páginas seguintes. A história nunca será politicamente correta.

 

O que é escravidão e quem se tornou escravo?

                                                Ao longo do tempo, estruturas hierárquicas se desenvolvem entre os residentes da maioria das sociedades. O líder se sente superior aos seus súditos, os pais acima dos filhos, os homens acima das mulheres, e assim por diante. Estrangeiros de outro grupo ou de outro país também eram geralmente vistos como "dignos de escravos", especialmente se tivessem sido feitos prisioneiros de guerra. Esses "forasteiros" tinham menos direitos do que o grupo na camada mais baixa de sua própria hierarquia social e eram chamados de escravos na Europa. Isso indica que, após a queda do Império Romano do Ocidente, a maioria dos escravos veio da Europa Oriental. Mas os escravos não estavam apenas na Europa, mas também no Oriente Médio, na África subsaariana, no Sul, Sudeste e Leste Asiático, e na América Nativa, sempre com um nome diferente.

                                                           É natural supor que a maioria dos escravos eram mulheres. Afinal, era melhor matar ou vender prisioneiros de guerra do sexo masculino, porque eles não eram adequados como escravos, porque podiam facilmente fugir ou se revoltar. Essa era a situação no mundo do Antigo Testamento e na Grécia clássica e no Império Romano. Não teria sido muito diferente na Ásia, África e América Nativa. Mas, a longo prazo, havia também uma demanda por escravos do sexo masculino que pudessem realizar obras públicas ou trabalhar nas minas e nos navios. Lentamente, leis foram introduzidas sobre compra, venda e trato com escravos, e em praticamente todas as culturas, os escravos, como animais, propriedades e terras agrícolas, podiam ser vendidos, comprados, negociados, emprestados, hipotecados, doados, penhorados, dados como dote e confiscados.

                                                           Ao contrário da Europa, os escravos em outros lugares nem sempre eram forasteiros, porque além de prisioneiros de guerra, também era possível se tornar escravos dentro do próprio grupo por culpa ou cometendo um crime ou delito. Tornar-se escravo voluntariamente também era possível, pois ser propriedade de outro significava que o proprietário tinha de fornecer comida, abrigo e proteção ao seu escravo. Para muitos pobres, a escravidão voluntária durante a escassez ou fome, às vezes, era a única maneira de sobreviver. Aliás, a condição de escrava não significava automaticamente que o escravo ou a escrava tivesse que fazer o trabalho mais difícil e sujo. Os escravos podiam ascender para se tornarem capatazes, mestres de escola e artesãos respeitados, e até mesmo conselheiros ou comandantes do exército do rei ou sultão. Os escravos, às vezes, permaneciam nas mãos de uma família geração após geração e, a longo prazo, seu status servil não era mais visível. No entanto, até hoje, muitos africanos sabem se seus ancestrais foram livres ou escravos.

                                                           Esse fato mostra que há uma grande diferença entre a escravidão na África, Ásia e América Indiana, por um lado, e nas colônias europeias por outro. O destino dos escravos coloniais parece ter sido muito mais desumano do que o dos escravos com senhores não europeus. No entanto, essa suposição é incompatível com os fatos. Por exemplo, os escravos dos índios Tupinambás no Brasil não precisavam fazer trabalho duro, mas eram comidos em cerimônias religiosas como animais sagrados. Algumas sociedades tinham uma política liberal de compra livre, ao mesmo tempo em que torturavam e massacravam seus escravos em massa. Mais de um milhão de viajantes, marinheiros e prisioneiros de guerra europeus acabaram como escravos no norte da África. Alguns deles podiam ser comprados gratuitamente por financiamento coletivo e muitos desses ex-escravos retornados reclamavam amargamente dos maus tratos, do trabalho árduo, especialmente nas pedreiras do norte da África e da comida escassa. Por outro lado, alguns "escravos cristãos" ocupavam altos cargos nos estados muçulmanos ao redor do Mediterrâneo.

 

Por que a Europa Ocidental não teve escravidão?

                                                Inicialmente, a Europa era um continente normal, com muitos escravos próprios. Quem nunca ouviu falar de Espártaco, o líder de um grupo de escravos rebeldes na República Romana no século I a.C.? Naquela época, havia até 2 milhões de escravos em cada 7 milhões de habitantes. Após a queda do Império Romano do Ocidente em 476, o noroeste da Europa tinha uma população de cerca de 22 milhões, 3 milhões dos quais eram escravos. Mas desde meados do século XIV, a escravidão e o tráfico de escravos desapareceram da Europa Ocidental. Não havia mercados de escravos e não era mais possível comprar, vender ou transportar pessoas como escravos. Na Europa Oriental, a servidão continuou até o século XIX, mas um servo não era o mesmo que um escravo. Um servo era amarrado à terra e não podia ser vendido para áreas onde havia escassez de mão de obra. Como explicação para o desaparecimento da escravidão na Europa, aponta-se o fato de que esse continente se tornou cada vez mais densamente povoado, em decorrência do qual parte da população deixou de possuir terras e, portanto, teve que trabalhar para outra pessoa. Com uma ampla oferta de trabalhadores sem-terra, era mais vantajoso para alguém que necessitava de mão-de-obra empregar esse grupo do que comprar escravos. Os trabalhadores podiam ser pagos por dia e até por hora e podiam ser dispensados se não houvesse mais trabalho ou se não estivessem mais aptos ou dispostos a trabalhar. Parece plausível, mas há duas situações em que essa regra não se aplicava. Partes da Ásia também eram densamente povoadas e, no entanto, havia muita escravidão e, em segundo lugar, provou-se impossível escravizar os europeus quando seu continente recuperou algumas áreas escassamente povoadas ao longo do tempo, como as colônias no Novo Mundo, partes da Europa Central após o despovoamento em massa durante a Guerra dos Trinta Anos e áreas no sudeste da Europa conquistadas dos turcos. Depois que a escravidão desapareceu na Europa, essa instituição aparentemente não pôde ser reintroduzida. Como resultado, na Europa, os prisioneiros de guerra eram geralmente libertados e os infratores da lei acabavam na prisão e esses grupos não eram vendidos como escravos como era comum em outras partes do mundo.

                                                           Não há dúvida de que os europeus perderam o crescimento econômico devido ao tabu de escravizar a sua própria espécie. Se isso fosse possível, a colonização do Novo Mundo, por exemplo, teria sido mais rápida e eficiente, assim como a população dos territórios do sudeste da Europa conquistados dos turcos. Comprar e transportar escravos europeus em vez de africanos era muito mais fácil. Por exemplo, os franceses exilaram um grande número de seus prisioneiros homens para as galés, e os britânicos também enviaram prisioneiros, homens e mulheres, como trabalhadores forçados para suas colônias no exterior. Mas seu castigo geralmente não era indefinido e se os castigados tivessem filhos, os mesmos não se tornavam escravos automaticamente. Além disso, os empregadores no Caribe nunca puderam contar com um suprimento regular desses trabalhadores forçados, porque, em anos sem guerra civil, revoltas ou perseguições, os números eram poucos.

                                                           Fora da Europa, por outro lado, praticamente todas as atividades econômicas que demandavam muita mão de obra eram exercidas por escravos, como o trabalho em portos, em plantações e na construção civil. O pessoal de hospitais, frotas e exércitos também consistia em grande parte de escravos. Essa variedade de ocupações era muito menor entre os escravos na maioria das colônias europeias. A posição das mulheres e das crianças no mundo não europeu também diferia frequentemente daquela da Europa, onde estes grupos tinham uma participação limitada na vida econômica. Em muitos setores da economia europeia, só trabalhavam homens. Tal como o tabu sobre a escravatura, este tabu tem dificultado o crescimento econômico da Europa.

 

Escravidão nas colônias europeias

                                                A aversão europeia à escravidão foi rapidamente esquecida nas colônias "vazias" do Novo Mundo, embora apenas forasteiros fossem usados para isso. Os espanhóis e portugueses foram os primeiros a fazê-lo. Eles haviam se familiarizado com esse fenômeno em seu próprio país, onde primeiro os árabes e depois eles mesmos fizeram uso extensivo de escravos africanos. Não é à toa que eles também escravizaram inicialmente parte da população indígena no Novo Mundo. No longo prazo, no entanto, isso não se mostrou solução para a alta demanda por mão de obra, já que o número de indianos diminuiu rapidamente como resultado de doenças importadas da Europa e da África.

                                                           No século XVII, Grã-Bretanha, França e Holanda seguiram o exemplo ibérico. Inicialmente, os britânicos tentaram povoar suas colônias americanas com prisioneiros de guerra e trabalhadores contratados de seu próprio país, mas a longo prazo sua oferta provou ser muito pequena. As novas plantações de açúcar e café nas colônias desenvolveram uma demanda quase insaciável por mão de obra. De fato, até o final do século XVIII, houve anos em que mais de cem mil escravos foram transportados da África para o Novo Mundo! As plantações eram geralmente muito lucrativas, apesar da alta mortalidade nos navios negreiros e das muitas revoltas entre os escravos. A melhor prova da lucratividade econômica da escravidão nas plantações eram os preços cada vez maiores pagos pelos escravos em toda a América do Norte e do Sul. Os compradores os viram como um bom investimento.