quarta-feira, 1 de junho de 2011

O hábil Antônio Carlos

A política antiga (de que há, infelizmente, reminiscência e sobrevivência a extirpar) era, em regra, feita de hipocrisia, falsidade, impostura e fraude. A mentira e o engodo estavam no substractum das relações sociais com os políticos. Afirmava-se que o povo gostava de ser enganado. Por isso, os políticos nunca negavam os pedidos, por mais disparatadas que se vestissem as pretensões, embora certos de que não as cumpririam.

O mestre nesta arte de iludir foi Antônio Carlos. Aparício Toreli, na “A Manha”, chamava-o, semanalmente, “o - Sr. Antônio-Promete Carlos-Não Cumpre”.

Lembro-me dele quando, em propaganda pelo Estado, aqui chegou para plantar a pedra fundamental da fracassada sede do Ginásio Mineiro. Grande orador, fez um discurso de improviso, de fato magistral. Sua verve era espantosa.

Ao depois, foi ao Ginásio São José, onde eu, acadêmico, era o Presidente do Grêmio “13 de Maio” e diretor de “O Ginasiano”, cuja edição lhe era dedicada como homenagem dos moços ao velho administrador. Corria o ano de 1928.

Nessa ocasião, contaram-me vários episódios que lhe retratavam a sagacidade, ditada pela vivência e pela reconhecida experiência do meio.

Quando Antônio Carlos fez sua excursão pelo Estado, tinha um discurso preparado, a “chapa”, para todas as cidades. Terminava assim: “Todo homem público tem duas terras: a terra do nascimento e a terra do coração. Minha terra do nascimento é Barbacena, mas minha terra do coração é esta” — e citava o nome da cidade em que se achava.

Quando o Presidente chegou a São João del Rei e pronunciou o discurso, de praxe, no Teatro, pela própria rivalidade com a cidade vizinha, ao terminar, a casa quase veio abaixo, pois seu coração estava ali e não em Barbacena. O senador Elói, médico velho e que tinha um pigarro, a tosse característica dos fumantes, resolveu organizar uma embaixada e acompanhar o Presidente até sua terra natal. Antônio Carlos foi recebido com grandes homenagens que encheram o dia. Mas como o trem de ferro voltava às quatro horas da tarde, a embaixada de São João del Rei se despediu, sem embargo da insistência para que ficassem até as comemorações da noite. Livre dos vizinhos, o Presidente respirou e pôde pronunciar seu discurso no Clube, ignorando que a Comissão sãojoanense deixara, para representá-las, o senador Elói.

E Antônio Carlos repetiu seu discurso, terminando: “Meus conterrâneos, todo homem público tem duas terras: a terra do nascimento e a terra do coração. Mas eu sou diferente, porque só tenho uma, única, exclusiva, Barbacena, minha terra do nascimento e do coração”.

Nessa altura, fez-se ouvir a tosse do senador Elói. E Antônio Carlos, imediato, apontando para o rumo do pigarro:

— E São João del Rei também!

Conheci, nesse tempo, o moço Bias Fortes, então Chefe de Polícia e que acompanhava sempre o Presidente. É com ele esse outro caso.

Os estudantes das Escolas superiores viviam às turras com o Presidente. E resolveram arrancar o seu busto e arrastá-lo pela Avenida João Pinheiro. Bias Fortes, quando avisado do incidente, pôs a tropa na rua. Mas foi comunicar ao Presidente Antônio Carlos:

— Presidente, se ouvir algum estampido não se assuste: mandei atirar nos arruaceiros.

— Mas eles estão arrastando a estátua pela Avenida João Pinheiro?

— Estão, Presidente.

E ante a surpresa de Bias:

— Então, recolha a tropa, incontinenti, e não permita um tiro sequer.

E depois de curta pausa:

— Imagine que os estudantes resolvessem arrastar o busto pela Avenida do Contorno! Seria muito pior...