sábado, 27 de agosto de 2011

Daniel de Carvalho



Ainda encontrei o velho GRANDE HOTEL, de Belo Horizonte, onde residi dois anos, com o fascínio e a moldura dos tempos antigos. Era a Meca dos conhecidos chefes municipais, dos “donos” da terra, expressões de valor intelectual ou de prestígio político. Representava meio século de segredos e decisões na vida estadual. Fazia eu refeições na mesa de Daniel de Carvalho, sempre que ele estava na Capital mineira. Conversador amável e invejável, palavra fácil e ornamentada, bem informado a respeito de tudo, tornava-se um deleite ouvi-lo. A qualquer lugar, a qualquer cidade da Terra a que nos referíssemos, da Pérsia à Inglaterra ou à Índia, lá possuía ele uns amigos, tinha um caso especial a contar. Conhecia o mundo de ponta a ponta. Cultura vastíssima, não só jurídica como literária, professor eminente, revelava-se o espírito curioso de toda ciência nova e, sobretudo, um especialista em matéria de finanças.

Determinado dia, resolvi provocá-lo de frente. Por que, sendo Ministro da Agricultura no Governo Dutra, não tentara ocupar a Amazônia? Afinal, as ideias de Tavares Bastos sobre o extremo norte estavam com um atraso de cem anos. O presidente Bernardes sustentava — e mo afirmara várias vezes, que a Clevelândia (Amapá) seria o celeiro do Brasil futuro. Por isso, exilara os presos politicos, inclusive jornalistas, para aquela região, a fim de que nosso Canaan fosse descoberto.

— É uma ilusão dos brasileiros, respondeu-me Daniel. As árvores do Amazonas existem nos alagadiços, nos pantanais, salteadas, longe uma da outra. São centenárias, de enormes copas. Mas não é possível aproveitá-las, pois o preço de sua extração é maior do que o seu valor comercial. Tornam-se antieconômicas. Para lá, quando Ministro, me transportei, com um grupo de técnicos. E a conclusão deles foi a seguinte: a salvação da Amazônia está nas florestas virgens e nos charcos. No dia em que forem drenados os terrenos e destruídas as matas, como é muito débil a camada de humus, a Amazônia se resolverá num vasto e novo Saara...

A opinião de Daniel é de gritante atualidade. Impunha-se-lhe, como patriotas o imperativo de calar...

Quando presidi o Centro dos Lavradores de Ubá, organizamos grandes Exposições pecuárias e agroindustriais. Uma delas foi inaugurada pelo Ministro Daniel de Carvalho. Enquanto, no Parque da Exposição, Daniel cavalgava um fogoso corcel, veio-me à lembrança um acontecimento de sua juventude. Estudante ainda, como todo moço da época, escreveu um soneto e o enviou a um jornal de Ouro Preto, então capital do Estado. O crítico do semanário, que era o conhecido e consagrado poeta simbolista Alfonsus de Guimarães, publicou a apreciação abaixo, no número seguinte:

“Daniel Serapião de Carvalho.

Daniel Serapião.

Será pião?

Não.

Será

Peão..

Jamais encontrei profecia tão errada, maximé com referência ao grande escritor, jornalista, financista, professor, jurisconsulto, parlamentar e estadista, que ocupou posição de tão alto destaque nos destinos e na história da República.