quinta-feira, 30 de novembro de 2023

O Pequeno João

 

 


O PEQUENO JOÃO

 I

 

Vou falar umas coisas sobre o Joãozinho. A minha história parece muito com um conto de fadas, mas tudo realmente aconteceu assim. Na hora que você não conseguir acreditar
mais, pare de ler, porque então eu não vou escrever para você. Também não pode nunca falar disso ao pequeno João, se por acaso encontrar com ele, pois isso o entristeceria e eu deveria lamentar ter-lhe contado tudo isso.
 
Joãozinho vivia em uma antiga casa com um grande jardim. Era difícil encontrar o caminho dentro dela, pois na casa havia muitas varandas escuras, escadas, quartos e sótãos espaçosos e no jardim havia cercas e estufas por toda parte. Era um mundo inteiro para João. Nele podia fazer longas viagens e ele dava nomes a tudo o que descobria.
 
Para as coisas dentro de casa ele tinha escolhido nomes do reino animal, como: o sótão da lagartixa, porque ali criavam-se lagartixas; o quarto do frango, porque uma vez ele tinha encontrado uma galinha lá. Ela não tinha surgido sozinha, mas tinha sido colocada ali pela mãe de João para chocar ovos. Para a horta escolhia nomes do reino vegetal, prestando especial atenção aos produtos que lhe interessavam.

Assim, ele tinha uma montanha de framboesa e um vale de morango. Bem no fundo, depois da horta, havia um espaço que ele chamava de paraíso e, é claro, que era muito lindo. Uma grande parte desse paraíso era água, uma lagoa, onde os nenúfares brancos flutuavam e os juncos mantinham longas conversas sussurradas com o vento. Do outro lado desta lagoa estavam as dunas. O paraíso propriamente dito era um pequeno pedaço de grama na margem de cá, cercada por vegetação rasteira, entre a qual a salsa do mato brotava alto. Ali, o Joãozinho gostava de se deitar na grama densa, espiando através dos juncos embaralhados até os topos das dunas sobre a água. Nas noites quentes de verão, ele estava sempre lá e permanecia por horas olhando, sem nunca ficar entediado. Pensou na profundidade da água calma e límpida diante dele, como deveria ser agradável ali, entre aquelas plantas aquáticas, naquela estranha luz fraca, e depois novamente nas nuvens distantes e lindamente coloridas que pairavam sobre as dunas. Perguntava-se o que estaria além delas e como seria maravilhoso poder voar até lá. Quando o sol acabava de se pôr, as nuvens se acumulavam ali de tal forma que pareciam formar a entrada de uma gruta e nas profundezas dela havia um brilho de suave luz vermelha. Era isso que Joãozinho queria. Se eu pudesse voar para dentro dela!... pensava. O que poderia estar por trás disso? Bem que poderia chegar lá uma vez, uma vez só...

Mas não importa quantas vezes ele desejasse, a gruta sempre se desmanchava em nuvens pálidas e escuras, sem que ele pudesse se aproximar dela. Em seguida, ficava frio e úmido junto à lagoa e tinha que voltar para seu quarto escuro na velha casa.

Lá, ele não morava sozinho; ele tinha um pai, que cuidava bem dele, um cachorro chamado Presto e um gato chamado Simão. É claro que ele amava mais seu pai, mas achava que Presto e Simão não eram inferiores ao pai, de que gente grande certamente discordava. Ele confidenciava mais segredos a Presto do que a seu pai e sentia uma admiração respeitosa por Simão. Ora, isso não era à toa! Simão era um grande gato com pelo negro brilhante e uma cauda grossa. Dava para ver que ele estava convencido de sua própria grandeza e sabedoria. Manteve-se sempre digno e distinto, mesmo quando se permitia brincar com uma rolha que rolava pela casa, ou quando comia uma cabeça de peixe esquecida atrás de uma árvore.  Diante da exuberância louca de Presto, ele estreitava os olhos verdes com desprezo e pensava: Ora, esses cães não sabem fazer outra coisa.


(Autor: Frederik van Eeden. Tradutor: André Oliehoek)

domingo, 26 de novembro de 2023

O PEQUENO JOÃO

 


O Pequeno João

 

O livro, “O Pequeno João”, começa assim: "Vou te contar uma coisa sobre o pequeno João. A minha história se parece com um conto de fadas, mas tudo realmente aconteceu assim." João é um garotinho que ama muito a natureza. Um dia ele encontra o elfo Filho da Madrugada no jardim. Filho da Madrugada leva João para o reino dos animais. João está tão entusiasmado com este mundo que gostaria de ficar lá para sempre.

Mas então Filho da Madrugada mostra também o mundo das pessoas humanas. Por causa disso, e por causa do encontro com o gnomo Eussabia, a garota Robineta, o Desfiador, o doutor Calculista, Henrique a Morte e, finalmente, o Anônimo, o conto de fadas gradualmente se torna cada vez mais sombrio e, finalmente, o João é confrontado com a escolha final: ele vai ficar no mundo dos contos de fadas do Filho da Madrugada ou ele vai escolher entrar no mundo dos humanos, onde "tristeza sem fim, cansaço e tristeza" o esperam?

O Pequeno João é uma história simbólica sobre as etapas da vida do homem e a busca pela felicidade. Cada um de nós pode ser o Pequeno João!

Embora, inicialmente, o João só conhece novos amigos maravilhosos através de sua imaginação, o livro logo assume um significado mais profundo. A linguagem é muito simples e fácil de entender.

O livro vem de uma época quando leitura de livros era obrigatória e quando histórias eram geralmente chatas, mas esta se assemelha a um conto de fadas com um começo e um fim e é gostoso de ler. A história não é muito prolixa. Característica desta época é uma descrição extensa do ambiente. Isso é a única coisa que, às vezes, faz com que o livro, com o tempo, possa tornar-se um pouco cansativo.

Autor: Frederik van Eeden (1860 – 1932),

“Frederik van Eeden foi um renomado psiquiatra, escritor e estudioso neerlandês, nascido em 3 de abril de 1860 e falecido em 16 de junho de 1932. Ele é amplamente conhecido por suas contribuições significativas para a psicologia e por ser um dos fundadores do movimento conhecido como “Movimento dos Oitentas” na literatura neerlandesa. Van Eeden também foi pioneiro no estudo dos sonhos e é considerado um dos primeiros psicanalistas da história.”

“Nascido em Haarlem, nos Países Baixos, Frederik Willem van Eeden era filho de um médico e cresceu em um ambiente intelectualmente estimulante. Desde cedo, ele demonstrou interesse pela literatura e pelas ciências, o que o levou a estudar medicina na Universidade de Amsterdã. Foi durante os seus estudos, que van Eeden se envolveu com o Movimento dos “Oitentas”, que buscava romper com as tradições literárias conservadoras e moralistas da época, para torna-la mais artística.”

“Após concluir sua formação em medicina, van Eeden se especializou em psiquiatria e começou a desenvolver suas teorias sobre a mente humana. Ele defendia a ideia que os sonhos eram uma forma de comunicação entre o consciente e o inconsciente e dedicou grande parte de sua carreira ao estudo e à interpretação dos sonhos. Van Eeden também foi um dos primeiros a utilizar a técnica de autoanálise para compreender os processos mentais e emocionais.”

“Em 1898, van Eeden fundou a revista “De Nieuwe Gids” (“A Nova Guia”), na qual só eram aceitos artigos que correspondiam às normas exigidas pelo Movimento dos Oitentas. Nela, ele publicou um artigo intitulado “A Study of Dreams” (Um Estudo de Sonhos), no qual descreveu suas experiências pessoais com os sonhos e suas teorias sobre sua natureza e significado. Esse artigo marcou o início do movimento dos sonhos, que teve um grande impacto no campo da psicologia e influenciou outros estudiosos, como Sigmund Freud.”

“Apesar de suas contribuições significativas para a psicologia, van Eeden também enfrentou críticas e controvérsias ao longo de sua carreira. Alguns estudiosos questionaram a validade de suas teorias sobre os sonhos, argumentando que elas careciam de fundamentação científica sólida. Além disso, van Eeden também foi acusado de plagiar o trabalho de outros pesquisadores, o que manchou sua reputação.”

“Além de seus estudos sobre os sonhos, van Eeden também se interessou por outros campos, como filosofia, literatura e política. Ele escreveu diversos romances e ensaios, nos quais explorou temas como a natureza da realidade, a espiritualidade e a sociedade. Van Eeden também foi um defensor dos direitos da mulher e da igualdade de gênero e participou ativamente do movimento sufragista nos Países Baixos.”

“O trabalho de Frederik van Eeden teve um impacto duradouro no campo da psicologia e da literatura. Suas teorias sobre os sonhos e sua abordagem inovadora para o estudo da mente humana abriram novos caminhos para a compreensão dos processos mentais e emocionais. Além disso, sua participação no “Movimento dos Oitentas” contribuiu para a renovação da literatura neerlandesa e influenciou gerações de escritores.”

O livro “O Pequeno João”, publicado em 1885, conforme alguns representa uma autobiografia de Frederik van Eeden. O livro foi traduzido na época para dezenas de línguas diferentes. Não encontrei, porém, a versão portuguesa e, por isso, resolvi traduzi-lo, a fim de dividir a beleza do mesmo com quem ama uma boa leitura.

No dia 30 de novembro começarão as postagens semanais do livro “O Pequeno João”!

André Oliehoek

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Introdução... Continuação

 


INTRODUÇÃO (Continuação)

 

O que é escravidão e quem se tornou escravo?

                                                Ao longo do tempo, estruturas hierárquicas se desenvolvem entre os moradores da maioria das sociedades. O líder se sente superior aos seus súditos, os pais acima dos filhos, os homens acima das mulheres, e assim por diante. Estrangeiros de outro grupo ou de outro país também eram geralmente vistos como "dignos de escravos", especialmente se tivessem sido feitos prisioneiros de guerra. Na Europa, esses "forasteiros" tinham menos direitos do que o grupo pertencente à camada mais baixa de sua própria hierarquia social e eram chamados de escravos. Isso indica que, após a queda do Império Romano do Ocidente, a maioria dos escravos veio da Europa Oriental. Mas os escravos não estavam apenas na Europa, mas também no Oriente Médio, na África subsaariana, no Sul, Sudeste e Leste Asiático, e na América Nativa, sempre com um nome diferente.

                                                           É natural supor que a maioria dos escravos eram mulheres. Afinal, era melhor matar ou vender prisioneiros de guerra do sexo masculino, porque eles não eram adequados como escravos, porque podiam facilmente fugir ou se revoltar. Essa era a situação no mundo do Antigo Testamento e na Grécia clássica e no Império Romano. Não teria sido muito diferente na Ásia, África e América Nativa. Mas, a longo prazo, havia também uma demanda por escravos do sexo masculino que pudessem realizar obras públicas ou trabalhar nas minas e nos navios. Lentamente, leis foram introduzidas sobre compra, venda e trato com escravos e em praticamente todas as culturas os escravos, assim como os animais, propriedades e terras agrícolas, podiam ser vendidos, comprados, negociados, emprestados, hipotecados, doados, penhorados, dados como dote e confiscados.

                                                           Ao contrário da Europa, os escravos em outros lugares nem sempre eram forasteiros, porque além de prisioneiros de guerra, também era possível se tornar escravos dentro do próprio grupo por culpa ou cometendo um crime ou delito. Tornar-se escravo voluntariamente também era possível, pois ser propriedade de outro significava que o proprietário tinha de fornecer comida, abrigo e proteção ao seu escravo. Para muitos pobres, a escravidão voluntária durante a escassez ou fome, às vezes, era a única maneira de sobreviver. Aliás, a condição de escrava não significava automaticamente que o escravo ou a escrava tivesse que fazer o trabalho mais difícil e sujo. Os escravos podiam ascender para se tornarem capatazes, mestres de escola e artesãos respeitados, e até mesmo conselheiros ou comandantes do exército do rei ou sultão. Os escravos, às vezes, permaneciam nas mãos de uma família geração após geração e, a longo prazo, seu status servil não era mais visível. No entanto, até hoje, muitos africanos sabem se seus ancestrais foram livres ou escravos.

                                                           Esta última afirmação mostra que há uma grande diferença entre a escravidão na África, Ásia e América Indiana, por um lado e nas colônias europeias por outro. O destino dos escravos coloniais parece ter sido muito mais desumano do que o dos escravos com senhores não europeus. No entanto, essa suposição é incompatível com os fatos. Por exemplo, os escravos dos índios Tupinambás no Brasil (Sim, os índios também tinham escravos) não precisavam fazer trabalho duro, mas eram comidos em cerimônias religiosas como animais sagrados. Algumas sociedades tinham uma política liberal de compra livre, ao mesmo tempo em que torturavam e massacravam seus escravos em massa. Mais de um milhão de viajantes, marinheiros e prisioneiros de guerra europeus acabaram como escravos no norte da África. Alguns deles podiam ser comprados gratuitamente por financiamento coletivo em casa e muitos desses ex-escravos retornados, reclamavam amargamente do mau tratamento, do trabalho árduo, especialmente nas pedreiras do norte da África e da comida escassa. Por outro lado, alguns "escravos cristãos" ocupavam altos cargos nos estados muçulmanos ao redor do Mediterrâneo.

 

terça-feira, 21 de novembro de 2023

 

A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO NEERLANDESA EM POUCAS PALAVRAS

P.C. EMMER

 

INTRODUÇÃO

A escravidão era normal, o trabalho livre era exceção

                                              

 A palavra escravidão evoca sentimentos de consternação e vergonha em quase todos no Ocidente hoje. É uma instituição da qual nos despedimos com orgulho há mais de um século. Ao fazer isso, geralmente ignoramos o fato de que a palavra escravidão ocultava todos os tipos de diferentes relações de dependência, nem todas com conteúdo negativo. Em alguns períodos e em algumas partes do mundo, as pessoas chegaram a fazer fila para se tornarem escravas. Isso porque a escravidão, às vezes, era uma instituição que poderia protegê-lo da fome e prolongar sua vida. Mas a escravidão também era, às vezes, um sistema de opressão e então os escravos organizavam revolta após revolta com o objetivo de sacudir o jugo da escravidão. A escravidão também pode ter consequências econômicas muito diferentes. Em algumas áreas e épocas, a escravidão era economicamente muito lucrativa tanto para o proprietário quanto para o escravo, enquanto em outros lugares ou em outro período o mesmo sistema trazia apenas pobreza e exploração.

                                                           A maioria das publicações sobre a escravidão e o tráfico de escravos supõe que foram principalmente os europeus que fizeram uso dessa forma de trabalho não livre para suprir suas conquistas coloniais com mão-de-obra. Nada poderia estar mais longe da verdade. O tráfico de escravos e a escravidão ocorreram em todo o mundo, e os escravos nas colônias europeias representavam apenas uma pequena porcentagem do número total de escravos no mundo. O fato de os americanos caracterizarem a escravidão no sul dos Estados Unidos como uma instituição especial é porque eles não olhavam para além de seu próprio país. Historicamente, a escravidão não é especial, mas o trabalho livre é. Quando o principal colonizador escravista, a Grã-Bretanha, proibiu a escravidão em suas colônias em 1833, apenas 4% de todos os escravos do mundo receberam liberdade. O tráfico europeu de escravos também era apenas uma parte do comércio total de escravos. Mesmo no auge do tráfico transatlântico de escravos, mais escravos eram vendidos no mercado interno e para os árabes na África do que para os europeus na costa. A participação europeia no comércio de escravos, muito menos bem descrito na Ásia, também era relativamente pequena.

                                                           No restante deste livro, limitar-me-ei a uma análise da escravidão nas colônias europeias na América do Norte, América do Sul e África do Sul. É aí que a maior parte dos dados está disponível. Primeiro, tentarei responder às perguntas: por que surgiu a instituição da escravidão, quem se tornou escravo e por que a Europa Ocidental não mais conhecia a escravidão a partir de 1350 e se tornou um estranho enclave sem escravos em um mundo cheio de escravidão? A escravidão nas colônias europeias pôde existir porque os europeus, fora do seu próprio continente, mantiveram normas e valores diferentes dos que na sua  própria casa por quase quatro séculos. A ascensão e a abolição da escravatura no Novo Mundo colonial e na África do Sul serão amplamente discutidas.

                                                Finalmente, segue-se uma visão geral do recente debate sobre a escravidão na Holanda. Com o tempo, esse debate assumiu um tom acusatório, à medida que ativistas também se envolvem, anexando demandas às suas conclusões, como pedidos de desculpas e reivindicações financeiras. O fato de que algumas posições ativistas não estão de acordo com os resultados da pesquisa científica fica claro nas páginas seguintes. A história nunca será politicamente correta.

 

O que é escravidão e quem se tornou escravo?

                                                Ao longo do tempo, estruturas hierárquicas se desenvolvem entre os residentes da maioria das sociedades. O líder se sente superior aos seus súditos, os pais acima dos filhos, os homens acima das mulheres, e assim por diante. Estrangeiros de outro grupo ou de outro país também eram geralmente vistos como "dignos de escravos", especialmente se tivessem sido feitos prisioneiros de guerra. Esses "forasteiros" tinham menos direitos do que o grupo na camada mais baixa de sua própria hierarquia social e eram chamados de escravos na Europa. Isso indica que, após a queda do Império Romano do Ocidente, a maioria dos escravos veio da Europa Oriental. Mas os escravos não estavam apenas na Europa, mas também no Oriente Médio, na África subsaariana, no Sul, Sudeste e Leste Asiático, e na América Nativa, sempre com um nome diferente.

                                                           É natural supor que a maioria dos escravos eram mulheres. Afinal, era melhor matar ou vender prisioneiros de guerra do sexo masculino, porque eles não eram adequados como escravos, porque podiam facilmente fugir ou se revoltar. Essa era a situação no mundo do Antigo Testamento e na Grécia clássica e no Império Romano. Não teria sido muito diferente na Ásia, África e América Nativa. Mas, a longo prazo, havia também uma demanda por escravos do sexo masculino que pudessem realizar obras públicas ou trabalhar nas minas e nos navios. Lentamente, leis foram introduzidas sobre compra, venda e trato com escravos, e em praticamente todas as culturas, os escravos, como animais, propriedades e terras agrícolas, podiam ser vendidos, comprados, negociados, emprestados, hipotecados, doados, penhorados, dados como dote e confiscados.

                                                           Ao contrário da Europa, os escravos em outros lugares nem sempre eram forasteiros, porque além de prisioneiros de guerra, também era possível se tornar escravos dentro do próprio grupo por culpa ou cometendo um crime ou delito. Tornar-se escravo voluntariamente também era possível, pois ser propriedade de outro significava que o proprietário tinha de fornecer comida, abrigo e proteção ao seu escravo. Para muitos pobres, a escravidão voluntária durante a escassez ou fome, às vezes, era a única maneira de sobreviver. Aliás, a condição de escrava não significava automaticamente que o escravo ou a escrava tivesse que fazer o trabalho mais difícil e sujo. Os escravos podiam ascender para se tornarem capatazes, mestres de escola e artesãos respeitados, e até mesmo conselheiros ou comandantes do exército do rei ou sultão. Os escravos, às vezes, permaneciam nas mãos de uma família geração após geração e, a longo prazo, seu status servil não era mais visível. No entanto, até hoje, muitos africanos sabem se seus ancestrais foram livres ou escravos.

                                                           Esse fato mostra que há uma grande diferença entre a escravidão na África, Ásia e América Indiana, por um lado, e nas colônias europeias por outro. O destino dos escravos coloniais parece ter sido muito mais desumano do que o dos escravos com senhores não europeus. No entanto, essa suposição é incompatível com os fatos. Por exemplo, os escravos dos índios Tupinambás no Brasil não precisavam fazer trabalho duro, mas eram comidos em cerimônias religiosas como animais sagrados. Algumas sociedades tinham uma política liberal de compra livre, ao mesmo tempo em que torturavam e massacravam seus escravos em massa. Mais de um milhão de viajantes, marinheiros e prisioneiros de guerra europeus acabaram como escravos no norte da África. Alguns deles podiam ser comprados gratuitamente por financiamento coletivo e muitos desses ex-escravos retornados reclamavam amargamente dos maus tratos, do trabalho árduo, especialmente nas pedreiras do norte da África e da comida escassa. Por outro lado, alguns "escravos cristãos" ocupavam altos cargos nos estados muçulmanos ao redor do Mediterrâneo.

 

Por que a Europa Ocidental não teve escravidão?

                                                Inicialmente, a Europa era um continente normal, com muitos escravos próprios. Quem nunca ouviu falar de Espártaco, o líder de um grupo de escravos rebeldes na República Romana no século I a.C.? Naquela época, havia até 2 milhões de escravos em cada 7 milhões de habitantes. Após a queda do Império Romano do Ocidente em 476, o noroeste da Europa tinha uma população de cerca de 22 milhões, 3 milhões dos quais eram escravos. Mas desde meados do século XIV, a escravidão e o tráfico de escravos desapareceram da Europa Ocidental. Não havia mercados de escravos e não era mais possível comprar, vender ou transportar pessoas como escravos. Na Europa Oriental, a servidão continuou até o século XIX, mas um servo não era o mesmo que um escravo. Um servo era amarrado à terra e não podia ser vendido para áreas onde havia escassez de mão de obra. Como explicação para o desaparecimento da escravidão na Europa, aponta-se o fato de que esse continente se tornou cada vez mais densamente povoado, em decorrência do qual parte da população deixou de possuir terras e, portanto, teve que trabalhar para outra pessoa. Com uma ampla oferta de trabalhadores sem-terra, era mais vantajoso para alguém que necessitava de mão-de-obra empregar esse grupo do que comprar escravos. Os trabalhadores podiam ser pagos por dia e até por hora e podiam ser dispensados se não houvesse mais trabalho ou se não estivessem mais aptos ou dispostos a trabalhar. Parece plausível, mas há duas situações em que essa regra não se aplicava. Partes da Ásia também eram densamente povoadas e, no entanto, havia muita escravidão e, em segundo lugar, provou-se impossível escravizar os europeus quando seu continente recuperou algumas áreas escassamente povoadas ao longo do tempo, como as colônias no Novo Mundo, partes da Europa Central após o despovoamento em massa durante a Guerra dos Trinta Anos e áreas no sudeste da Europa conquistadas dos turcos. Depois que a escravidão desapareceu na Europa, essa instituição aparentemente não pôde ser reintroduzida. Como resultado, na Europa, os prisioneiros de guerra eram geralmente libertados e os infratores da lei acabavam na prisão e esses grupos não eram vendidos como escravos como era comum em outras partes do mundo.

                                                           Não há dúvida de que os europeus perderam o crescimento econômico devido ao tabu de escravizar a sua própria espécie. Se isso fosse possível, a colonização do Novo Mundo, por exemplo, teria sido mais rápida e eficiente, assim como a população dos territórios do sudeste da Europa conquistados dos turcos. Comprar e transportar escravos europeus em vez de africanos era muito mais fácil. Por exemplo, os franceses exilaram um grande número de seus prisioneiros homens para as galés, e os britânicos também enviaram prisioneiros, homens e mulheres, como trabalhadores forçados para suas colônias no exterior. Mas seu castigo geralmente não era indefinido e se os castigados tivessem filhos, os mesmos não se tornavam escravos automaticamente. Além disso, os empregadores no Caribe nunca puderam contar com um suprimento regular desses trabalhadores forçados, porque, em anos sem guerra civil, revoltas ou perseguições, os números eram poucos.

                                                           Fora da Europa, por outro lado, praticamente todas as atividades econômicas que demandavam muita mão de obra eram exercidas por escravos, como o trabalho em portos, em plantações e na construção civil. O pessoal de hospitais, frotas e exércitos também consistia em grande parte de escravos. Essa variedade de ocupações era muito menor entre os escravos na maioria das colônias europeias. A posição das mulheres e das crianças no mundo não europeu também diferia frequentemente daquela da Europa, onde estes grupos tinham uma participação limitada na vida econômica. Em muitos setores da economia europeia, só trabalhavam homens. Tal como o tabu sobre a escravatura, este tabu tem dificultado o crescimento econômico da Europa.

 

Escravidão nas colônias europeias

                                                A aversão europeia à escravidão foi rapidamente esquecida nas colônias "vazias" do Novo Mundo, embora apenas forasteiros fossem usados para isso. Os espanhóis e portugueses foram os primeiros a fazê-lo. Eles haviam se familiarizado com esse fenômeno em seu próprio país, onde primeiro os árabes e depois eles mesmos fizeram uso extensivo de escravos africanos. Não é à toa que eles também escravizaram inicialmente parte da população indígena no Novo Mundo. No longo prazo, no entanto, isso não se mostrou solução para a alta demanda por mão de obra, já que o número de indianos diminuiu rapidamente como resultado de doenças importadas da Europa e da África.

                                                           No século XVII, Grã-Bretanha, França e Holanda seguiram o exemplo ibérico. Inicialmente, os britânicos tentaram povoar suas colônias americanas com prisioneiros de guerra e trabalhadores contratados de seu próprio país, mas a longo prazo sua oferta provou ser muito pequena. As novas plantações de açúcar e café nas colônias desenvolveram uma demanda quase insaciável por mão de obra. De fato, até o final do século XVIII, houve anos em que mais de cem mil escravos foram transportados da África para o Novo Mundo! As plantações eram geralmente muito lucrativas, apesar da alta mortalidade nos navios negreiros e das muitas revoltas entre os escravos. A melhor prova da lucratividade econômica da escravidão nas plantações eram os preços cada vez maiores pagos pelos escravos em toda a América do Norte e do Sul. Os compradores os viram como um bom investimento.

 

 

sábado, 11 de novembro de 2023

 

Celebração em torno de uma separação.

 

Olhamos em redor de nós, e eis:
Ao nosso lado havia mulheres e homens
que passaram pela mesma experiência,
companheiros da mesma sorte.
Havia gente que dizia:
‘sua vida vale a pena;
podem chorar nos nossos ombros,
mas vão em frente;
precisamos de vocês’.
Nas vozes de alguns,
ouvimos aquela voz única:
‘Eu estarei presente para você, e para você...;
eu não fico longe.
Estou sempre à espera de uma nova aliança’.
Assim, depois da noite, veio a manhã:
O Sexto dia.
 
*********
 
Nós nos levantamos e endireitamos o corpo,
carregando as nossas cicatrizes de cabeça erguida.
Estávamos renascidos,
descerrados e trazidos à luz
como depois de um parto difícil.
Nos tranquilizamos nas nossas sombras recíprocas.
E a voz exalava paz em nossa direção:
‘Paz à mulher na sua luta,
paz ao homem na sua purgação,
paz aos filhos dos homens.
Está bom assim, muito bom’.
Fez-se tarde e veio a manhã:

Este Dia.

 

(Moral da história:

Deus não é vingativo,

Deus é AMOR)

 

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

 

Celebração em torno de uma separação.
 
As coisas não iam bem.
Palavras duras nos atingiam,
-  críticas de família e vizinhos -,
e questões assustadoras nos assaltavam:
Será que devo sacrificar os meus filhos?
Será que ainda há futuro?
Deus, meu Deus,
por que me abandonou?
Por mais que nos esforçávamos, já não ouvíamos
nenhuma voz, nenhuma promessa, nenhuma bênção.
Um silêncio doloroso durava e durava,
a noite inteira, sem amanhã:
O Quarto Dia.
 
***********
 
Quando, após uma longa noite de dúvidas,
a decisão foi tomada;
quando nós nos tínhamos separado definitivamente,
vieram a autocrítica e autocomiseração.
Estávamos como que paralisados
por sentimento de culpa;
já não sabíamos o que fazer.
De repente, naquele pesar profundo e isolamento,
voltou a soar aquela voz, frágil, mas iniludível:
‘Não fixem o olhar no que já passou;
eis, que estarei de novo ao lado de vocês’.
Abrimos os olhos.
Era noite ou manhã,
estava escuro ou claro,
no Quinto Dia?

terça-feira, 7 de novembro de 2023

 

Celebração em torno de uma separação.

 

Procurávamos palavras bonitas,
fechávamos a nós mesmos em belas aparências.
Já não íamos mais juntos,
mas andávamos um atrás do outro,
arrastando, cada um, a sua cruz, no vazio.
Tudo parecia ir às mil maravilhas,
mas não passava de desespero empacotado.
Então, ouvimos, de novo, a voz que dizia:
‘Abandonem essa vida que não é vida,
se puder, juntos;
senão, cada um por si’.
Hesitantes e incertos,
enfrentamos a tarde, a manhã:

O Terceiro Dia.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Celebração em torno de uma separação.

 

Depois chegou o dia da lua,

a realidade de todos os dias,

com a babel.

Não importava o que dizíamos,

nos entendíamos só pela metade.

Não importava o que fazíamos,

crescíamos em direções diferentes.

Mas a voz continuava a dizer-nos:

‘Não esqueçam as palavras de ontem,

e nem as perguntas de amanhã.

Não esqueçam os outros, nem a si mesmo’.

Tarde e manhã, repletas de pesares:

            O Segundo Dia. 

domingo, 5 de novembro de 2023

 

Celebração em torno de uma separação.

 

Inicialmente, o sol brilhava,

os pássaros cantavam, as rosas tinham um aroma gostoso.

Olhávamos um para o outro e víamos apenas luz.

Acreditávamos um no outro

e ... arriscamos:

apaixonados – noivos – casados.

E uma voz nos disse:

‘Não é bom que vocês estejam sós;

peçam um a outro em casamento,

dêem a sua resposta,

reanimem-se mutuamente’.

Fez-se tarde e veio a manhã:

O Primeiro Dia.

sábado, 4 de novembro de 2023

Com muita habilidade, o teólogo holandês, Servaas Bellemakers, conduz o leitor através do ano litúrgico, convidando-o a parar, meditar e rezar por ocasião das festas principais da Igreja Católica: a época do Natal, da Páscoa e do Pentecostes. Ele introduz o leitor na leitura das mais belas páginas da Sagrada Escritura e, como que conversando com ele, reflete sobre o sentido das mensagens bíblicas nos dias de hoje, onde a violência parece ganhar do amor e a guerra da paz. Às vezes, ele coloca Deus, como o Único inatingível, lá nas alturas. Outras vezes, briga com Ele, O põe na terra e O faz andar o caminho dos homens. Principalmente, o livro ‘O Cântico dos Cânticos’ serve-lhe de inspiração para transmitir a sua confiança no amor, a certeza que a luz vence a escuridão, que o dia segue à noite. “O Recuo da Noite” não é bem um livro para ser lido de uma só vez, mas, sim, para deixar no criado mudo e recorrer a ele em momentos oportunos. Não pretende ser um livro mágico que resolve problemas, mas um companheiro na labuta diária, numa sociedade de consumismo que tende afogar-nos nas águas escuras do hedonismo e materialismo; uma estrela companheira, no mundo do corre-corre e de agendas cheias; um amigo, que no meio do mundo virtual da Internet e do avanço tecnológico nos convida a parar e refletir um pouco, para que não sejamos despersonalizados e levados pela correnteza deste mesmo avanço.

A partir de amanhã, por sete dias, a postagem de um capítulo do seu livro “Recuo da Noite”: “Celebração de uma Separação.”

 

André Oliehoek 

Prezados leitores,

 

Faz onze anos que postei pela última vez algo no meu blog. Pouco a pouco, o celular foi tomando conta do mundo midiático, no qual o WhatsApp se destaca na comunicação por ser fácil, portátil e corresponder ao mundo do corre-corre. Notícias rápidas, palavras abreviadas e os sentimentos começaram a ser expressos através de smileys, emojis, emoticons, stories, instagram etc., ajudando-nos a não perdermos tempo e mesmo assim cumprirmos com as nossas obrigações de sermos bonzinhos e educados. O celular veio para ficar, apenas podendo diminuir em tamanho, ao ponto de caber hoje no nosso pulso.

De repente, fiquei com saudade do meu Blog! Deve ser, porque parei de correr neste mundo e tornei-me adepto da tranquilidade e calma, impostas pela própria idade, que alcancei, talvez, por ter participado desta corrida!

Resolvi dar uma olhada no meu Blog enferrujado e reli as postagens dos anos 2010, 2011 e 2012. Não foram muitas! Apenas 37! Todas elas traduções!

Eu sei que o conteúdo é pouco original, mas nem todos somos escritores e criadores de ideias novas. Mas há tanta coisa bonita que outros escreveram numa língua diferente da nossa e que nunca chegam ao nosso conhecimento! E aí penso: “Que bacana esse artigo, esse livro! Talvez mais alguém gostaria de ler isso!”

Então, o que eu pretendo postar no meu Blog?

Ao ler as notícias na Internet, deparei-me com uma mensagem que, na Igreja Católica, o ano litúrgico do ano 2024 será o ano B. O que vem a ser isso? Através dos evangelhos lidos nas missas dominicais, a Igreja quer instruir aos seus fiéis os ensinamentos do Cristo, narrados nos Evangelhos da Bíblia. Visto que os 52 domingos de um ano não são suficientes para transmitir tudo, resolveu espalhar as mensagens sobre 3 anos, chamados: Ano A, Ano B e Ano C. No ano A será contemplado o Evangelho de São Mateus, no ano B o de São Marcos e no ano C o Evangelho de São Lucas. O Evangelho de São João é reservado para ocasiões especiais. Agora você pode perguntar: mas como se sabe qual é o ano A, B e C?

Para isso há um truque interessante. Sabendo-se de um ano se é Ano C, logicamente, a gente vai saber qual é o Ano A e B. Estabeleceu-se então que quando a soma dos algarismos de um ano for um múltiplo de 3, aquele ano será o ANO C. Se pegarmos o ano 2022, notamos que 2+0+2+2= 6. Seis é um múltiplo de 3, portanto, o ano 2022 é ANO C. Logicamente, o ano de 2023 é o ano A e o ano 2024 é o ano B. Em seguida, o ano 2025 será de novo o ano C (2+0+2+5 = 9  -  múltiplo de 3).

Mas o que isso tem a ver com as postagens no meu Blog?

Em 1999, um grande amigo meu, Servaas Bellemakers, neerlandês, teólogo, liturgista, escritor, diretor da pastoral da juventude na Universidade de Tilburg, falecido em 2020, me presenteou com todos os livros que ele escreveu. A maioria deles eu traduzi. Entre eles estava um livro com desenhos de Wim Hessels, referentes aos evangelhos dominicais do ano 1997 (portanto Ano B), interpretados por Servaas Bellemakers mediante um curto poema despretensioso, mas reflexivo. A tradução do título do livro é: "Intérprete de Retratos Falantes - Os domingos do Ano B desenhados e escritos".

Meu plano é publicar no meu Blog, todos os domingos do ano B de 2024, o desenho de Wim Hessels e a tradução da reflexão de Servaas Bellemakers referentes ao evangelho de cada domingo.

O Ano B litúrgico sempre começa no primeiro domingo do advento, que este ano será no dia 03 de dezembro. Antes disso, porém, publicarei ainda algo sobre o desenhista e autor, pois: “Dê a César o que é do César e a Deus o que é de Deus”!

Caso queira ter acesso ao meu blog com todo o conteúdo, abra-o e guarde-o nos seus favoritos, no seu computador ou laptop com o nome Verbatin!.

O link é: http://geminiano-verbatin.blogspot.com