quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

 


O auge do tráfico de escravos neerlandês

 

Aliás, o tráfico de escravos para as colônias de exportação francesas, britânicas e neerlandesas aumentou muito mais rápido no decorrer do século XVIII do que para os territórios espanhóis, que eram muito menos especializados no cultivo intensivo de açúcar e café. Como na América espanhola, a lei colonial britânica, francesa e neerlandesa proibiu o fornecimento de escravos por navios estrangeiros, mas, ao contrário da América espanhola, essa disposição foi razoavelmente aplicada em outros lugares, pelo menos em tempos de paz. Isso se devia ao fato de que os escravos custavam muito dinheiro e muitas vezes eram comprados parcelados. Portanto, não era atraente para os compradores de escravos estabelecer um sistema de coleta em colônias estrangeiras e esperar por anos pelo pagamento dos escravos fornecidos ilegalmente.

Outra explicação para o lento crescimento do tráfico de escravos neerlandês no século XVIII pode ter sido o monopólio do tráfico de escravos da CIO. Isso pode ser deduzido do fato de que, após sua abolição, o tráfico de escravos neerlandês cresceu mais rápido do que nunca. Isso sugere que a CIO conduziu esse comércio de forma menos eficiente do que as empresas privadas de navegação, e que seu monopólio retardou o crescimento do comércio de escravos neerlandês. Só em 1738 todas as restrições às companhias de navegação privadas no comércio de escravos neerlandeses foram suspensas. Mas esse crescimento sem precedentes do tráfico de escravos neerlandês também foi mais modesto e durou menos do que o dos equivalentes britânicos, franceses e portugueses. No final do século XVIII, o tráfico de escravos neerlandês era o único em declínio, e Haia foi forçada a reduzir a tributação do tráfico de escravos. Sem sucesso. Muito antes da invasão francesa em 1796, o tamanho do tráfico de escravos neerlandês havia sido reduzido a alguns navios por ano. Em muitos dos fortes neerlandeses na Costa do Ouro a manutenção foi relaxada e, durante os últimos anos de existência da CIO, aconteceu que o pessoal do forte não recebia o seu salário durante anos.

Este declínio no comércio de escravos levantou a questão de se os fortes neerlandeses na costa africana poderiam ser usados como pontes para uma maior colonização da área circundante. Esse pensamento não era novo. Os neerlandeses sempre se perguntaram se o açúcar e o café das Índias Ocidentais não deveriam ser substituídos por açúcar e café da África. Afinal, a compra e o transporte de escravos acarretavam grandes riscos, enquanto os neerlandeses não tinham tido sorte na criação de fazendas coloniais no Novo Mundo. No século XVII, a colônia de fazendas neerlandesas no Brasil já era deficitária, mas mesmo nas últimas décadas do século XVIII, as fazendas coloniais neerlandesas no Caribe só puderam se desenvolver após a Quarta Guerra Inglesa graças a fazendeiros e investidores estrangeiros. Tanto no Suriname quanto na então vizinha colônia Demerara (mais tarde parte da Guiana Britânica), o número de fazendeiros britânicos aumentou rapidamente. Vários escritores sonhavam em fundar fazendas na África, mas, ao fazê-lo, pareciam esquecer que não eram os europeus, mas os africanos que haviam impedido a exploração da África Ocidental desde o início, e que essa recusa em admitir europeus em seu continente levou a que as fazendas fossem fundadas do outro lado do Atlântico e não na África. Ao longo dos séculos, os europeus elaboraram inúmeros projetos para tornar a África mais do que apenas um fornecedor de escravos, ouro e penas de avestruz. Foram feitas tentativas para estabelecerem fazendas de algodão, açúcar e anil, mas todos esses projetos falharam devido à oposição africana. Descobriu-se, repetidamente, que o poder neerlandês acabava, onde o alcance das balas de canhão dos fortes terminava.

Com o passar do tempo, os neerlandeses estabeleceram relações comerciais com outras nações da África Ocidental. As nações africanas mais importantes eram os elmineses, que viviam perto da fortaleza da capital neerlandesa São Jorge d'Elmina, e o reino de Asante, com sua capital Kumasi. Na região do Atlântico Sul, os contatos oficiais duraram pouco. O mesmo aconteceu com vários estados da África Ocidental na Costa dos Escravos e Costa do Grein, a região costeira da atual Libéria da África Ocidental entre o Cabo Mesurado e o Cabo Palmas. Às vezes, os neerlandeses tinham muito contato com essas áreas, às vezes menos ou nada. Em nenhum lugar os neerlandeses conseguiram obter uma posição de monopólio e cada vez tiveram que estar cientes da concorrência de outros Estados europeus.

Na África Ocidental, os laços entre os neerlandeses e os elmineses eram mais estreitos. Afinal, a maior parte da equipe da CIO ficou na fortaleza principal, e alguns desses homens se aliaram a mulheres de Elmina. Os filhos dessas uniões eram quase sempre criados pela mãe e sua família. Com o tempo, formaram-se famílias mulatas, essenciais para o funcionamento do forte. Eles forneciam comida e escravos para o forte e, após a abolição do monopólio da CIO, também puderam abastecer as companhias privadas de navegação com escravos. Essas companhias de navegação muitas vezes atracavam em Elmina para comprar ainda escravos, necessários para lotar os navios, antes de iniciarem a travessia para o Novo Mundo. Antes disso, os transportadores de escravos tinham navegado, frequentemente, ao longo da costa por muitos meses e não tinham sido capazes de comprar tantos escravos que o navio seria capaz de terminar sua viagem com lucro. Os capitães desses navios negreiros sabiam que sempre havia escravos à venda em Elmina e, na pressa de iniciar a travessia, concordavam com os preços mais altos que ali eram exigidos.

 

(Continua...)

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

O Pequeno João




"Ah! Filho da Madrugada! Filho da Madrugada!”

"Por que está chorando, João? Você não deve chorar por ter nascido entre os homens. Pois eu gosto de você e o escolhi entre todos. Ensinei a você a linguagem das borboletas e dos pássaros e fiz você compreender o olhar das flores. A lua conhece você e a terra boa e gentil o ama como seu filho mais querido. Por que você não seria feliz, já que eu sou seu amigo?"

"Oh, Filho da Madrugada, eu sou! Eu sou feliz! Mas eu tenho que chorar por todas essas pessoas!"

"Por quê? Você não precisa ficar com eles se estiver sentindo tristeza. Você pode morar aqui e me acompanhar sempre. Vamos viver na parte mais densa da floresta, nas dunas solitárias e ensolaradas ou nos juncos à beira da lagoa. Eu o levarei a todos os lugares, no fundo da água entre as plantas aquáticas, nos palácios dos elfos e nas habitações dos duendes. Flutuarei com você sobre campos e florestas, sobre terras e mares estrangeiros. Eu peço às aranhas de tecerem roupas finas para você e darem-lhe asas iguais às que eu uso. Vamos viver da fragrância das flores e dançar com os elfos ao luar. Quando o outono chegar, vamos com o verão para onde as palmeiras altas se erguem, onde coloridos cachos de flores pendem das rochas e a superfície azul escura do mar brilha ao sol. E sempre vou contar-lhe contos de fadas. Você quer isso, João?"

"Então nunca mais habitarei entre os homens?"

"Tristeza sem fim, tédio, cansaço e tristeza esperam por vocês entre os homens. Dia a dia você vai se preocupar e gemer sob o peso da sua vida. Eles ofenderão e atormentarão sua alma terna com sua grosseria. Eles vão aborrecê-lo até a morte e torturar você. Você ama os homens mais do que a mim?"

"Não! Não! Filho da Madrugada, eu quero ficar com você!'

Agora ele podia mostrar o quanto amava Filho da Madrugada. Sim! Queria ir embora e esquecer tudo por ele. Seu quarto, Presto e seu pai.

Cheio de alegria e determinação, repetiu o seu desejo. A chuva parou. Através de nuvens cinzentas, um sorriso cintilante do sol brilhava sobre a floresta, sobre as folhas úmidas e brilhantes e sobre as gotas que brilhavam em cada galho e talo e adornavam as teias de aranha que se estendiam sobre as folhas de carvalho. Lentamente, uma névoa fina se ergueu do chão úmido entre a vegetação rasteira, carregando consigo mil aromas doces e sonhadores. O melro agora voava para o topo mais alto das árvores e cantava em melodias curtas e sinceras ao sol que se afundava, como que para mostrar qual canção era apropriada aqui, no solene silêncio da noite, como acompanhamento suave das gotas caindo.

"Não é mais bonito do que o som dos homens, João? Sim! O melro sabe acertar o tom. Aqui tudo é harmonia, você nunca vai encontrá-la tão completa entre os homens."

'O que é harmonia, Filho da Madrugada?'

"Isso é o mesmo que felicidade. É a isso que tudo aspira. Também os seres humanos. Mas eles agem como meninos que querem pegar uma borboleta. Na verdade, eles a afugentam por suas tentativas estúpidas."

"E vou encontrar a harmonia com você?"

"Sim, João! Mas aí é preciso esquecer as pessoas. É um mau começo nascer entre os homens, mas você ainda é jovem. Você deve deixar de lado todas as lembranças da sua vida humana. Com elas você se desviaria e cairia em confusão, conflito e miséria. Você seria como o jovem besouro de quem eu te disse."

"O que aconteceu com ele?"

"Ele viu a luz clara de que falava o velho besouro e pensou que a melhor coisa que poderia fazer era voar em direção dela. Ele voou direto para uma sala e caiu em mãos humanas. Durante três dias foi torturado ali. Ficou numa caixa de papelão, amarraram um barbante ao seu pé e obrigavam-no a voar. Depois conseguiu soltar-se, mas perdeu uma asa e uma perna e, por fim, rastejando desamparado num tapete e ainda tentando em vão chegar ao jardim, foi esmagado por um pé pesado.

"Todos os animais, João, que vagueiam à noite são tão bons filhos do sol quanto nós. E embora nunca tenham visto o esplêndido do seu pai, ainda assim uma memória inconsciente sempre os leva a tudo o que brilha. E milhares de pobres criaturas das trevas encontram uma morte miserável através desse amor ao sol, de quem há muito estão separados e afastados. Assim, uma tendência incompreendida e irresistível leva os homens à perdição sob os pretextos daquela Grande Luz que os fez existir e que eles já não conhecem."

Interrogativo João olhou para os olhos de Filho da Madrugada. Mas esses eram profundos e misteriosos, como o céu escuro entre as estrelas.

"Você quer dizer Deus?", perguntou timidamente, por fim.

“Deus?" Os olhos profundos sorriam suavemente. "Eu sei, João, em que você pensa quando pronuncia esse nome: na cadeira em frente à sua cama, onde você faz a longa oração todas as noites; nas cortinas verdes e sem brilho em frente à janela da igreja, para a qual você olha tanto na manhã de domingo; nas letras maiúsculas da sua pequena Bíblia; na bandeja de coleta na igreja; no canto feio e no cheiro do mofo humano. O que você quer dizer com esse nome, João, é uma ilusão ridícula: em vez do sol, uma grande lâmpada de querosene, na qual centenas e milhares de mosquitos estão colados sem nada poderem fazer."

“Mas qual então é o nome dessa Grande Luz, Filho da Madrugada? E a quem devo orar?"

 "João, é como se um pequeno fungo me perguntasse qual é o nome da terra que gira em torno. Se houvesse uma resposta para sua pergunta, você a entenderia tal como uma minhoca entende a música das estrelas. Mas eu vou te ensinar a orar".

E, junto com o pequeno João, que ponderava as palavras de Filho da Madrugada num silêncio espantoso, ele voou para fora da floresta, tão alto que uma longa faixa cintilante como ouro tornou-se visível sobre a borda das dunas. Continuaram voando. O patamar caprichosamente sombreado das dunas deslizava sob seu olhar e o raio de luz ficava cada vez mais largo. A cor esverdeada das dunas desaparecia, a grama marrom aparecia e estranhas plantas azuis pálidas cresciam entre as amófilas. Mais uma alta cordilheira de morros, uma longa e estreita faixa de areia e, em seguida, o mar, largo e imenso.

O azul era a grande superfície, até o horizonte, mas sob o sol uma estreita faixa luzia em brilho vermelho deslumbrante. Uma espuma branca longa e fofa franzia a superfície do mar, como pele de doninha embainha o veludo azul.

E no horizonte havia uma linha fina e maravilhosa entre o ar e a água. Parecia um milagre: reta e ao mesmo tempo curva, afiada e ao mesmo tempo indefinível, visível e ainda insondável. Era como a nota de uma harpa que ressoa longa e sonhadora, que parece morrer e ainda permanece.

Então o pequeno John sentou-se à beira da duna e olhava, olhava... imóvel num silêncio longo que fazia-lhe pensar que estava prestes a morrer, como se as grandes portas douradas do universo estivessem se abrindo imponentes e sua pequena alma flutuasse ao encontro da primeira luz do infinito.

Até que as lágrimas, que brotavam em seus olhos arregalados, cobriam o belo sol e fizeram o esplendor do céu e da terra recuar em um crepúsculo escuro e trêmulo...

"É assim que você deve orar", disse Filho da Madrugada. 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Ano Litúrgico - Ciclo B

          

 
   
                    Segundo Domingo Da Quaresma - Gênesis 22, 16-18

(Uma vez que ...não recusaste o teu único filho, eu te abençoarei e tornarei a tua descendência tão numerosa como as estrelas do céu)

Isaac e Abraão
Escalam a montanha.
 
Um menino que carrega a lenha,
Será que sabe o que a vida lhe pede?
 
Um pai com a morte diante dos olhos,
sacrificando seus sonhos mais doces.
 
Abraão e Isaac
voltam da montanha.
 
Um pai que soltou o seu filho,
um menino comprometido com a vida.
 
Povo do futuro:
Escute e fique em silêncio.


Interpretação:

 O poema fala sobre a história bíblica de Abraão e Isaac. Abraão, seguindo uma ordem de Deus, leva seu filho Isaac para o Monte Moriá, onde deve sacrificá-lo. No caminho, Isaac pergunta a seu pai o que está carregando e Abraão responde que é lenha para o sacrifício.

O poema começa com a imagem dos dois personagens escalando a montanha. O menino Isaac carrega a lenha, mas não sabe o que a vida lhe pede. O pai Abraão, por sua vez, está com a morte diante dos olhos, sacrificando seus sonhos mais doces.

No final da jornada, Abraão e Isaac voltam da montanha. Abraão soltou seu filho, e Isaac está comprometido com a vida. O poema termina com um apelo ao povo do futuro: "Escute e fique em silêncio."

O poema pode ser interpretado como uma metáfora para a vida. A jornada de Abraão e Isaac representa a jornada de todos nós. A vida é cheia de desafios, e muitas vezes somos chamados a fazer sacrifícios. Mas, se tivermos fé e obediência, podemos superar esses desafios e encontrar a redenção.

O apelo ao povo do futuro é um convite à reflexão. O poema sugere que devemos aprender com a história de Abraão e Isaac. Devemos ter fé, obediência e disposição para fazer sacrifícios.

 

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução e Interpretação: André Oliehoek) 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

História da Escravidão

 


De onde vinham os escravos (Continuação)

Em primeiro lugar, uma grande parte da população na África Ocidental era escrava. Cálculos baseados em dados do século XIX sugerem que em alguns trechos litorâneos mais de 30% da população era escrava. Esses escravos geralmente não produziam mais do que seu próprio sustento. Portanto, em tempos de aumento dos preços dos alimentos, era atraente para muitos proprietários de escravos africanos vender alguns de seus escravos para que eles não tivessem mais que lhes fornecer comida. A oferta de escravos no litoral também foi aumentada porque o aumento dos preços possibilitou financeiramente trazer cada vez mais escravos do interior para o litoral. Isso significava não caminhar por dias, mas semanas e, como resultado, a mortalidade aumentou ao longo do caminho. No entanto, os custos associados foram mais do que compensados pelos preços cada vez maiores no litoral.

Esses preços crescentes também fizeram com que o número de mulheres e crianças no comércio de escravos aumentasse acentuadamente, embora ambos os grupos inicialmente não fossem muito populares entre os compradores de escravos europeus. Escravos fortes, jovens e do sexo masculino eram preferidos. Mas o aumento dos preços de venda reduziu a participação dos custos de transporte no preço, e isso tornou rentável a longo prazo comprar e vender mulheres e crianças. Isso também significou um aumento significativo na oferta.

Houve outra mudança que levou ao aumento do tráfico atlântico de escravos: a forma como os africanos eram escravizados. Na segunda metade do século XVIII, em vez de prisioneiros de guerra, infratores da lei e devedores, populações inteiras de aldeias foram escravizadas por gangues irregulares. Isso também contribuiu para o crescimento do tráfico transatlântico de escravos. Além do tráfico atlântico de escravos, havia também um animado comércio interno de escravos na África e um comércio dominado pelos árabes no Leste e no Norte. Os africanos determinavam se queriam oferecer escravos e, em caso afirmativo, onde, de que idade, de que sexo e a que preço. Clientes suficientes.

Na costa da África Ocidental, cada país tinha mais ou menos a sua própria parte onde o comércio era conduzido. Já foi salientado que os neerlandeses e os portugueses tinham arranjado por tratado que os navios um do outro pudessem comercializar na parte «neerlandesa» da Costa do Ouro e na parte costeira «portuguesa» da África Central. Com o tempo, a demarcação mútua perdeu o sentido. Às vezes, muito menos escravos eram oferecidos em certas partes da costa do que antes, enquanto o comércio aumentava em partes da costa onde quase não havia oferta até então. Por essas razões, os compradores de escravos europeus continuaram a navegar ao longo da costa para comprar escravos por mais tempo do que no início do tráfico de escravos. Não a travessia do Atlântico, mas a compra de escravos tornou-se a parte mais demorada de uma viagem triangular.

Embora o tamanho do comércio de escravos neerlandês tenha aumentado acentuadamente no decorrer do século XVIII, isso foi ainda mais verdadeiro para as outras nações europeias de comércio de escravos. Como resultado, a participação neerlandesa no total permaneceu modesta e raramente ultrapassou 5%. Há várias razões para isso. Em primeiro lugar, a importância do comércio neerlandês de escravos diminuiu, pois até o século XVIII os neerlandeses vendiam mais escravos africanos a compradores em territórios estrangeiros do que em suas próprias colônias. O declínio do comércio de trânsito significou que os neerlandeses aparentemente perderam competitividade. Esse desenvolvimento pode ser claramente observado no fornecimento de escravos para a América espanhola, na qual no decorrer do século XVIII não mais os neerlandeses, mas os ingleses desempenharam o papel principal.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

O Pequeno João



Filho da Madrugada ria e espalhava a fumaça do charuto para longe dele com um ramo de samambaia. João tinha lágrimas nos olhos, mas não era da fumaça.

"Filho da Madrugada", disse ele, "eu queria ir embora, está tão feio aqui e tão difícil de acreditar o que está acontecendo."

"Não, ainda temos que ficar. Você vai rir, vai ser mais divertido ainda".

O canto cessou e o homem pálido começou a falar. Ele gritava alto para que todos pudessem ouvi-lo e o que ele disse soava até muito gentil. Ele chamou os homens de irmãos e irmãs, e falou da natureza gloriosa e das maravilhas da criação, do sol de Deus e dos doces pássaros e flores.

"O que é isso?", perguntou João. "Como ele fala sobre isso? Ele te conhece? Ele é seu amigo?"

Filho da Madrugada sacudiu a cabeça com desprezo. "Ele não me conhece, nem conhece o sol, nem os pássaros, nem as flores. É tudo mentira que ele diz."

As pessoas ouviram todas com muita atenção. A gorda, que estava sentada na campânula azul, começou a chorar várias vezes e enxugava as lágrimas com a barra da saia, pois não podia usar o lenço.

O homem pálido disse que Deus tinha feito o sol brilhar tão intensamente por causa da reunião que eles estavam fazendo. Filho da Madrugada riu e jogou a partir do gramado fechado uma bolota no seu nariz.

"Ele vai experimentar isso de outra forma", disse ele, "meu pai estaria brilhando para ele, o que ele imagina?"

Mas o homem pálido estava muito inflamado para prestar atenção à bolota que parecia cair do céu e falava muito e cada vez mais alto. Por fim, ficava vermelho e azul no rosto, cerrava os punhos e gritava tão alto que as folhas começavam a tremer e as lâminas de grama balançavam para lá e para cá consternadas. Quando ele finalmente se acalmou, todos começaram a cantar novamente.

"Que terrível", disse um melro que ouvia o barulho de uma árvore alta. "Como é que pode fazer um barulho tão ensurdecedor? Prefiro ter bois na floresta. Ouça isso. Nossa!' Que coisa feia!!

O melro é um conhecedor e tem um bom gosto.

Após o canto, o povo retirou de cestas, caixas e sacos, todo tipo de alimentos e bebidas. Papéis foram espalhados e sanduíches e laranjas foram distribuídos. Garrafas e copos também apareceram. Então Filho da Madrugada convocou seus aliados e começou a sitiar a tropa festiva.

Um sapo corajoso pulou no colo de uma velha senhora, bem ao lado do sanduíche que ela estava prestes a comer e sentou-se ali como que espantado com a sua própria audácia. A senhora deu um grito horrível e encarou o agressor consternada, sem ousar se mexer. O exemplo corajoso foi seguido. Lagartas verdes rastejavam destemidamente sobre chapéus, lenços e pães, causando medo e terror em todos os lugares. Aranhas grandes e gordas se abaixavam em fios brilhantes nos copos de cerveja, na cabeça ou no pescoço e um grito alto sempre se seguia ao ataque. Inúmeras moscas atacaram os homens no rosto deles e sacrificaram suas vidas pela boa causa, jogando-se sobre comida e bebida e tornando-os inúteis. Finalmente, as formigas vieram em imensas multidões e atacaram o inimigo às centenas nos lugares mais inesperados. Isso causou confusão e consternação! Homens e mulheres se levantaram apressadamente do musgo e gama há tanto tempo oprimidos. A pobre campânula azul também foi libertada pelo ataque bem-sucedido de duas lacrainhas nas pernas da gorda. O desespero aumentou: dançando e pulando, com os gestos mais singulares, o pessoal tentava escapar de seus perseguidores. O homem pálido resistiu por um longo tempo e se debatia com um raminho preto, mas um par de chapins atrevidos, que achavam que nenhum meio de ataque era muito ilegal e uma vespa que o ferroou na panturrilha através de suas calças pretas, o colocaram fora de ação.

Então o sol alegre não conseguia mais se segurar e escondia seu rosto atrás de uma nuvem. Grandes gotas de chuva caíram sobre as partes beligerantes. Parecia que a chuva, repentinamente, fez brotar do chão uma floresta de cogumelos pretos. Eram os guarda-chuvas. As mulheres cobriam as saias sobre suas cabeças, revelando anáguas brancas, pernas de meia branca e sapatos sem salto. Ah, como Filho da Madrugada se divertia! Ele teve que segurar o talo de flores de tanto rir.

Quanto mais perto e mais densa a chuva caía, ela começou a envolver a floresta com um véu cinzento e brilhante. Jatos de água caíam dos guarda-chuvas, chapéus, casacos pretos, que brilhavam como os escudos do besouro d'água, os sapatos encharcados batiam no chão. Então o povo desistiu e saiu em silêncio em pequenos grupos, deixando atrás de si uma infinidade de papéis, garrafas vazias e cascas de laranja como vestígios feios da sua visita. No campo aberto e na floresta, o silêncio voltou novamente e logo nada mais se ouvia a não ser o farfalhar monótono da chuva.

"Agora, João! Agora também vimos pessoas humanas. Por que você também não ri delas?"

"Puxa, Filho da Madrugada! Todos os homens são assim?"

"Há muitos piores e mais feios ainda! Às vezes, eles se enfurecem, deliram e destroem tudo o que é belo e delicioso. Cortam árvores e colocam em seu lugar casas grossas e quadradas. Deliberadamente pisoteiam as flores e matam, por diversão, os animais que estão ao seu alcance. Em suas cidades, onde se amontoam, tudo é sujo e preto e o ar é abafado e envenenado com mau cheiro e fumaça. Eles estão completamente alienados da natureza e de seus semelhantes. É por isso que eles fazem uma figura tão tola e triste quando voltam para a natureza."



 

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Ano Litúrgico- Ciclo B

                       

        Primeiro Domingo da Quaresma - Gênesis 9, 14-15

(Quando cobrir de nuvens a terra, aparecerá o arco-íris. Então eu me lembrarei de minha aliança convosco e com todas as espécies de seres vivos, e as águas não virão mais como dilúvio para destruir a vida animal)


O macaco, o cabrito-montanhês,
O burro e o pato, também eles,
sobreviveram.

O texugo, não mais ameaçado,
o pequeno rato corajoso no seu pelo,
o menor pardal, o menor verme
podem estar lá novamente.

Os poderosos da terra
finalmente conscientes, humildes,
no signo do arco-íris!
Se isso pudesse ser verdade.

No meio de tudo issoresponsabilidade, o homem,
não mais dominador, mas guardião,
imagem e semelhança do Deus vivo.

Ah Noé, para onde foram as cores do arco-íris,
onde está o novo começo radiante?
Onde estão as pombas da paz?
A responsabilidade é nossa!

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek)


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

História da Escravidão

 


De onde vinham os escravos (Continuação)

Os efeitos demográficos do tráfico de escravos podem ser difíceis de identificar, mas também não está claro se os bens da Europa pelos quais os escravos foram trocados trouxeram muitas mudanças na África. Estudos recentes mostram que as quantidades de produtos importados eram relativamente pequenas e que a demanda por produtos tradicionais africanos não diminuiu. Não há informações precisas, porque não há arquivos na África. Sobre a economia africana há apenas algumas observações de europeus na costa, complementadas com alguns dados de diários de navios e relatórios de viagens. A maior parte das informações provenientes de fontes neerlandesas referese apenas ao curso do comércio. A maioria dos europeus não estava realmente interessada em assuntos internos africanos. É por isso que o comandante do forte principal neerlandês, Elmina, uma vez suspirou que muitos de seus subordinados demonstravam:

"essa incompreensível indiferença, de modo que o país, toda a costa da Guiné, com todas as particularidades desta parte do país, não era considerada digna de nenhum assunto, de qualquer contemplação, tanto que, no regresso da sua estadia na costa, apenas sabiam o nome do forte, ou dos fortes, onde estiveram, e o nome do chefe temporário; que era tremendamente quente, e que os negros são pretos".

 

O tráfico de escravos na costa africana

O tráfico de escravos acabou dominando os contatos comerciais neerlandeses com a África. Esse comércio esteve oficialmente nas mãos da CIO até 1730. Depois disso, os navios negreiros neerlandeses ainda tiveram que solicitar uma licença da CIO para navegar para a África e o Caribe. Não há dúvida de que compradores de escravos ilegais neerlandeses ('descaminheiros') também participavam do tráfico de escravos. No entanto, nunca ficará claro quantos eram. Para o século XVIII, o número de assentamentos não licenciados é estimado em cinco por ano. No entanto, deve-se ter em mente que o limiar para participar do tráfico transatlântico de escravos era alto. Tal viagem triangular colocava exigências muito diferentes para o navio e a tripulação do que navegar de um lado para o outro: dos Países Baixos para a África Ocidental. Demorou muito para ter sucesso no tráfico de escravos. Em primeiro lugar, a composição da carga de troca foi essencial. Sem uma boa variedade de tecidos, fuzis, pólvora, varas de ferro, bebidas alcoólicas, utensílios e, às vezes, conchas cauri – que vinham das Maldivas, no Oceano Índico – não era possível conquistar o favor dos traficantes de escravos africanos. Isso era necessário, pois a competição entre os compradores de escravos europeus era acirrada. Isso permitiu que os africanos controlassem todas as facetas do tráfico de escravos na costa. O fato de que a oferta de escravos na África poderia responder muito mais rapidamente às mudanças na demanda do que a de bens deveu-se à falta de técnicas inovadoras de produção dos africanos. De acordo com observadores europeus, a mineração, em particular, era muito primitiva; de uma área de exportação de ouro, a África Ocidental acabou se tornando uma área de importação de ouro. Os africanos, por outro lado, conseguiram fornecer cada vez mais escravos. Havia uma série de razões para isso.

(Continua...)

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

O Pequeno João

 


Chegaram a uma trilha de formigas. Centenas de formigas andavam concentradas, algumas delas carregando pedacinhos de madeira, folhas ou lâminas de grama em suas mandíbulas. Era uma turbulência tão grande que deixou o João quase tonto.

Demorou muito tempo até que uma das formigas quisesse falar com eles. Estavam todas muito ocupadas. Finalmente, encontraram uma formiga velha, que havia sido designada para tomar conta dos pulgões, dos quais as formigas tiravam a melada. Como seu rebanho de pulgões estava muito calmo, ele podia agora entreter-se com os estranhos por um tempinho e mostrar-lhes o grande ninho. Este estava ao pé dum tronco de uma árvore velha, muito grande e rico com centenas de passagens e salas. O pastor dos pulgões dava explicações e mostrava tudo aos visitantes, até mesmo os quartos das crianças, onde as larvas jovens rastejavam para fora das pupas brancas. João ficou espantado e encantado.

A velha formiga me disse que eles estavam em uma grande agitação por causa da campanha que estava prestes a acontecer. Outra colônia de formigas, não muito longe, seria atacada com grande força, o ninho delas seria destruído, e as larvas roubadas ou mortas. Para isso, todas as forças seriam necessárias e, portanto, o trabalho mais urgente tinha que ser feito primeiro.

"Por que essa campanha?", perguntou João. "Não me parece bem".

"Não! Não", disse o guarda dos pulgões, "é uma jornada muito bonita e louvável. Você deve saber: são as Formigas Guerreiras que vamos atacar.

Vamos exterminar a raça delas e isso é um trabalho muito bom."

"Vocês então não são Formigas Guerreiras?"

"Claro que não! O que você acha? Somos Formigas da Paz".

"O que isso significa?"

"Você não sabe? Deixe-me explicar. Certa vez, todas as formigas estavam constantemente lutando; não passava um dia sequer sem grande matança. Então uma formiga sábia e boa veio e pensou que pouparia muitos problemas se as formigas concordassem entre si em não lutar mais.

"Quando ela disse isso, as formigas acharam muito estranho e, por isso, começaram a mordê-lo e tirando dele pequenos pedaços. Mais tarde, vieram outras formigas que pensavam a mesma coisa. Elas também foram mordidas e deixadas em pedaços. Mas enfim vieram tantas que morder estava dando muito trabalho para as outras.

"Então elas se chamavam de Formigas da Paz e todas insistiam que a primeira Formiga da Paz estava certa. Aquelas que contradiziam isso, por sua vez, foram despedaçadas. Desta forma, quase todas as formigas hoje se tornaram Formigas da Paz e os pedaços da primeira formiga da Paz são preservadas com cuidado e reverência. Nós temos a cabeça. A verdadeira. Já destruímos e massacramos outras doze colônias que diziam ter a verdadeira cabeça. Agora, restam apenas quatro. Eles se chamam Formigas da Paz, mas é claro que são Formigas Guerreiras, porque nós é que temos a cabeça real e a Formiga da Paz tinha apenas uma cabeça. Agora vamos exterminar a décima terceira colônia. Portanto, esse é um bom trabalho."

"Sim! "Sim", disse João, "é muito notável".

Na verdade, ele havia ficado um pouco assustado e sentiu-se muito mais calmo quando eles felizmente se despediram do pastor dedicado e estavam descansando e balançando em uma lâmina de grama longe das formigas, à sombra de uma graciosa folha de samambaia.

"Puxa!", suspirou João, "essa era uma companhia sanguinária e estúpida".

Filho da Madrugada riu e balançou sua lâmina de grama para cima e para baixo. "Ora!", ele disse, "você não deve chamá-las de estúpidas. As pessoas humanas estudam as formigas para se tornarem mais sábias."

Assim, Filho da Madrugada mostrou a João todas as maravilhas da floresta. Ambos voaram para os pássaros nas copas das árvores e nos arbustos densos, desceram para as habitações artísticas das toupeiras e viram o ninho duma abelha no velho tronco da árvore.

Por fim, chegaram a uma clareira cercada de vegetação rasteira. A madressilva crescia em grande abundância. Por toda parte os galhos luxuriantes se enrolavam sobre os arbustos e as grinaldas perfumadas de flores se destacavam entre a vegetação. Um bando de chapins levantou voo e tremulava entre as folhas, chilreando e tuitando ruidosamente.

Vamos ficar aqui um pouco", pediu João, "é lindo aqui".

"Muito bem", disse Filho da Madrugada. "Então você vai ver algo divertido."

No chão havia campânulas azuis na grama. João sentou-se ao lado de uma e começou uma conversa sobre as abelhas e as borboletas. Elas eram boas amigas da campânula e, por isso, a conversa transcorreu sem problemas.

O que foi isso? Uma grande sombra cobriu a grama e algo como uma nuvem branca desceu sobre a campânula. Mal João teve tempo de fugir e voou para Filho a Madrugada, que estava sentado no alto de uma flor madressilva. Então ele viu que a nuvem branca era um lenço e bumba! Uma senhora gorda sentou-se no lenço e na pobre pequena campânula que estava embaixo.

Não teve tempo de ter pena, pois o murmúrio de vozes e o ranger dos galhos enchiam a clareira da floresta. Uma multidão se aproximou.

"Agora vamos rir", disse Filho da Madrugada.

Lá vinham eles: o povo. As mulheres com cestos e guarda-chuvas nas mãos, os homens com chapéus altos, retos e pretos. Em sua maioria, todos os chapéus eram pretos, muito pretos. Na floresta verde e ensolarada, eles pareciam grandes e feios manchas de tinta numa bela pintura.

Arbustos foram espalhados, flores pisoteadas, muitos lenços brancos foram espalhados e as sofridas lâminas de grama e as plantas do musgo paciente cederam com um suspiro sob o peso que tinham que suportar e temiam nunca se recuperarem do ataque.

A fumaça de charutos se rolava sobre os arbustos de madressilva e dissipava raivosamente a delicada fragrância de suas flores.

Vozes altas afugentavam o alegre bando de chapins que se refugiavam nas árvores mais próximas com chilrear assustado e indignado.

Um homem levantou-se da multidão e ficou em pé numa pequeno elevado. Ele tinha cabelos longos e loiros e um rosto pálido. Ele disse alguma coisa e então todas as pessoas escancararam a boca e começaram a cantar, tão alto que os corvos voaram de seus ninhos altos gritando e os curiosos coelhos, que tinham vindo da beira das dunas para dar uma olhada, correram apavorados e continuaram a correr por um quarto de hora, até se sentirem seguros de volta nas dunas.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Ano Litúrgico - Ciclo B


 

Sexto Domingo Do Tempo Comum - Marcos 1, 41-42

(Jesus se compadeceu dele, estendeu a mão e o tocou, dizendo: ”Eu quero, fica limpo”. E imediatamente a lepra desapareceu e ele ficou limpo.)


Quando não tínhamos voz,
nem vida, nem futuro,
então você respirou,
soprou seu espírito em nós.
E começamos a falar,
Seguir em sua direção,
A mover-nos e cantar.


Quando gritávamos ‘ai, ai, meu Deus,
e o nosso sonho se desfazia,
então você falava,
dava esperança a cada um dos seus.
Recriava em nós a coragem
e o espírito de fantasia.

Permitindo que seguíssemos a nossa viagem.


(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek)


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

O Pequeno João



IV

“Rapaz! Como é irritante este verão", suspirou um dos três grandes fogões que estavam amontoados num canto escuro num dos sótãos da antiga casa. "Há semanas que não vejo uma alma viva e não ouço uma palavra sequer de compreensão. E esse vazio aqui dentro. É horrível!"

 "Estou cheio de teias de aranha", disse o segundo, "e isso não aconteceria no inverno".

"E estou tão empoeirado que vou morrer de vergonha quando o homem negro reaparecer no inverno, como diz Van Alphen." É claro que o terceiro fogão havia recebido essa sabedoria do João, quando ele recitava versos em frente à lareira no inverno.

"Você não deve falar tão desrespeitosamente do ferreiro", disse o primeiro fogão, que era o mais velho, "isso me incomoda".

Algumas pinças e pás deitadas aqui e acolá no chão, embrulhadas em papel para evitar a ferrugem, também expressavam claramente a sua indignação com essa expressão frívola.

Mas, de repente, a conversa cessou, pois a escotilha do sótão foi levantada e um raio de luz penetrou até no canto escuro e expôs o grupo todo em sua confusão empoeirada.

Foi João quem veio atrapalhar a conversa. O sótão sempre teve uma grande atração para ele. Agora, depois de todos os acontecimentos estranhos dos últimos tempos, ele ia lá com frequência. Encontrava ali paz e solidão. Havia também uma janela, que era fechada por uma escotilha e dava para o lado das dunas. Foi um grande prazer abrir aquela escotilha de repente e, após o misterioso lusco-fusco do sótão, ver a paisagem ampla e clareada diante de si, delimitada pela faixa branca e suavemente ondulada das dunas.

Três semanas haviam se passado desde aquela sexta-feira à noite que João não via o seu amigo. A chave já se fora e não havia mais nada para provar que não sonhava. Muitas vezes, ele não conseguia esconder o medo de que tudo tivesse sido imaginação. Ele ficava em silêncio e o seu pai comentava com certa angústia que, depois daquela noite nas dunas, João com certeza havia contraído uma doença. João, no entanto, só pensava no Filho da Madrugada.

"Será que ele gosta tanto de mim quanto eu dele?", ele refletia parado na janela do sótão e olhando para o jardim verde e florido. "Por que então ele não vinha mais vezes e ficava mais tempo comigo? Se eu pudesse..., mas talvez ele tenha mais amigos. Será que ele gostava também desses e mais do que de mim? Eu não tenho outros amigos, nenhum. Só gosto dele. E tanto! Ai, tanto!'

Contra o céu azul profundo, ele viu um voo de seis pombas brancas se destacando, passando por cima da sua casa. Parecia que um pensamento os impelia, tão rápida e simultaneamente, que mudavam de direção a cada instante, como se quisessem desfrutar plenamente do mar de luz solar em que flutuavam.

De repente eles voaram em direção da claraboia do João e, com muito esvoaçar e bater de asas, pousaram na calha onde continuaram tropeçando-se uma sobre a outra, indo para frente e para trás, tentando se aconchegar. Uma delas tinha uma peninha vermelha na asa. Ele esfregava e puxava até que saiu da asa e ficou segura no seu bico. Em seguida, voou até João e a deu a ele.

Assim que João a aceitou, sentiu-se tão leve e rápido quanto qualquer uma das pombas. Ele esticou os membros, o conjunto de pombas levantou voo e João flutuou no meio delas, no ar espaçoso, livre e no sol brilhante. Em torno dele não havia outra coisa a não ser o azul límpido e o brilho ofuscante das asas das pombas brancas.

Elas sobrevoaram o grande jardim até a floresta, cujas densas copas de árvores balançavam ao longe como as ondas de um verde mar. João olhou para baixo e viu o seu pai sentado em frente à janela aberta da sala, Simão sentado no peitoril da janela com as patas dianteiras dobradas e tomando sol. "Será que ele me está vendo?", pensou, mas não se atreveu a chama-lo.

Presto corria pelos caminhos do jardim e remexia em cada arbusto, atrás de cada parede e rabiscava contra cada porta da estufa para encontrar o seu mestre.

"Presto! Presto!", gritou João. O cachorro olhou para cima e começou a abanar o rabo e a uivar queixosamente.

"Voltarei, Presto!  Espere!", gritou João, mas ele estava muito longe.

Eles planavam sobre a floresta e os corvos, soltando os seus gritos, voavam dos topos onde tinham os seus ninhos. Era o meio do verão e o cheiro das tílias floridas subia em nuvens da floresta verde.

Em um ninho vazio, no topo de uma tília alta, estava o Filho da Madrugada, com uma coroa de cálices de corriola na cabeça.

Ele acenou com a cabeça para João. "Você chegou? Isso é bom", disse. "Mandei buscá-lo. Agora podemos ficar juntos por muito tempo, se quiser."

"Eu gostaria muito", disse João

Em seguida, ele agradeceu às pombas gentis que o trouxeram e desceu para a floresta com Filho da Madrugada.

Lá embaixo estava fresco e sombreado. O papa-figo assobiava quase sempre da mesma maneira, mas ao mesmo tempo um pouco diferente.

"O pobre pássaro", disse Filho da Madrugada, "ele já foi uma ave-do-paraíso. Você ainda pode ver isso nas suas estranhas penas amarelas, mas ele mudou e foi expulso do paraíso. Há uma palavra que pode restituir-lhe a sua antiga vestimenta esplêndida e trazê-lo de volta ao paraíso. Mas ele esqueceu essa palavra. Agora ele está tentando, dia a dia, reencontrá-lo. O som é parecido, mas não o certo."

Inúmeras moscas brilhavam como cristais flutuantes nos raios solares que penetravam na folhagem escura. Escutando com muita atenção, a gente pode ouvir seu zumbido como um grande concerto monótono que enche toda a floresta. É como se os raios do sol estivessem cantando.

Um musgo espesso e verde-escuro cobria o chão e João tornara-se novamente tão pequeno que esse musgo lhe parecia uma nova floresta dentro da grande floresta. Como eram graciosos os minitroncos! E como cresciam pertinho uns dos outros! Era difícil de atravessar e como a floresta de musgo parecia grande! 

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

História da Escrvidão

 


De onde vinham os escravos (Continuação)

Não só no Norte da África os africanos conseguiram impedir a invasão dos europeus, mas também na África Ocidental e Central. Mesmo sem as doenças tropicais mortais, os europeus não teriam ido muito longe, porque naquelas partes da África havia uma série de Estados bem organizados com grandes exércitos. E, tal como na Europa, havia uma luta pelo poder entre os diferentes Estados. Testemunhas disso foram os neerlandeses que se estabeleceram em vários fortes na Costa do Ouro. Assim, a vila de Elmina, localizada perto da principal fortaleza neerlandesa, tornou-se uma unidade política independente. Os neerlandeses pagavam aluguel anual pelo terreno em que o forte foi construído e contavam com o apoio militar dos elmineses caso fossem atacados. Os britânicos nas proximidades de Fort Cape Castle tinham uma conexão semelhante com os Fanti. E quando os Fanti e os Elmineses lutavam entre si, os comandantes dos fortes britânicos e neerlandeses, muitas vezes, atuavam como mediadores para impedir que o fornecimento de produtos e escravos do interior fosse cortado.

Também no interior ocorriam, muitas vezes, tudo quanto tipo de mudanças políticas, das quais as pessoas nos fortes no litoral nem sempre tinham conhecimento suficiente. No entanto, tornou-se claro que no final do século XVII um novo estado havia surgido no interior da Costa do Ouro: o reino de Asante com sua capital em Kumasi. Com esse poder, os neerlandeses construíram uma amizade de longo prazo. Colocar panos quentes, resolver conflitos internos, distribuir presentes regularmente – isso é tudo o que os neerlandeses podiam fazer. Não é de admirar que o pessoal da Companhia das Índias Ocidentais (CIO), ao regressarem para casa, tinha de explicar que a autoridade neerlandesa na África Ocidental parava lá onde as balas das armas do forte conseguiam chegar.

Aliás, seria um erro supor que a presença neerlandesa na Costa do Ouro significava automaticamente que o comércio naquela área era também o mais extenso. A oferta era muito variada para isso, especialmente quando os comerciantes neerlandeses passaram a se interessar cada vez mais pela compra de escravos após a conquista de parte do Brasil. Estes eram inicialmente oferecidos – como o nome já sugere – na Costa dos Escravos, onde todos os tipos de mudanças políticas ocorriam ao longo do tempo. No interior da Costa dos Escravos, o grande e poderoso estado do Daomé surgiu na primeira metade do século XVIII, enquanto no litoral houve uma balcanização política.

Um desses pequenos estados costeiros era Ouida (também chamado de Fida ou Wydah), onde o governante mantinha uma estrita neutralidade em relação aos comerciantes europeus. Os europeus não foram autorizados a construir fortes lá. De Elmina, a CIO enviou um representante, um fator, para Ouida para comprar escravos, que foram então transportados para Elmina antes de serem embarcados para a travessia. Um desses fatores foi Willem Bosman, que ficou na costa africana por volta de 1700 e registrou suas descobertas. Ele ficou muito impressionado com o rei de Ouida, a quem chamou de "o mais educado e benevolente" de todos os governantes africanos. Essa atitude positiva foi provavelmente o resultado do fato de que, durante a estadia de Bosman, a compra de escravos correu bem. Os comerciantes de Ouida, com quem Bosman fazia negócios, eram bons em fazer contas de cabeça; "mais rápido do que nós com caneta e tinta [...] por isso era mais fácil fazer negócios com eles do que com aqueles outros porcos estúpidos de negros”.

Por último, há que mencionar a costa da África Central. Lá os neerlandeses haviam comprado muitos escravos nos anos seguintes à conquista de Luanda dos portugueses, portanto entre 1640 e 1648. Depois que os neerlandeses foram expulsos de Angola e do Brasil, o tratado de paz de 1661 com Portugal estipulou que os navios negreiros portugueses (leia-se: brasileiros) poderiam comercializar ao longo da Costa do Ouro e os navios negreiros neerlandeses nas costas de Loango, Congo e Ndongo. Lá, a oferta de escravos era muitas vezes maior do que na Costa do Ouro ou dos Escravos, o que explica por que, a partir de meados do século XVII, cerca de 25 a 30 por cento dos escravos nos navios neerlandeses vieram da África Central. A longo prazo, as mudanças bruscas na oferta levaram a CIO a decidir encerrar os escritórios comerciais na costa angolana. Isso tornou aquela costa muito atraente para os comerciantes neerlandeses ilegais. Em 1695, um tal traficante ilegal de escravos fora da CIO transportou um membro da família real do estado costeiro de Sonho como escravo para o Caribe. Imediatamente o tráfico de escravos estagnou e somente depois que esse africano foi localizado – ele acabou sendo vendido a um fazendeiro surinamês – resgatado e devolvido, o tráfico de escravos pôde ser retomado.

A descrição de Bosman também mostra que os governos africanos, como os europeus, queriam regulamentar o comércio de longa distância na esperança de mais receitas. Os europeus fizeram isso estabelecendo empresas monopolistas, os reis africanos concedendo a si mesmos o direito exclusivo do comércio de escravos. E, assim como na Europa, esses monopólios desapareceram em grande parte no século XVIII, quando o tráfico de escravos agigantou.

O comércio com a África mudou esse continente? De qualquer forma, isso não pode ter acontecido apenas através de contatos comerciais neerlandeses, porque, em comparação com Portugal, Inglaterra e França, o nosso país era apenas um pequeno interveniente. O comércio de todas as nações comerciais europeias em conjunto teve, sem dúvida, consequências políticas. Provavelmente muitos estados costeiros, como Elmina, foram capazes de manter sua independência ou se separar dos grandes estados do interior devido aos intensos contatos comerciais ultramarinos. Resta saber se as armas de fogo importadas da Europa desempenharam um papel nisso. De qualquer forma, o número de armas de fogo importadas por pessoa era muito menor do que na América do Norte, e nunca houve uma ligação entre o volume de importações de armas e a formação do Estado. Mesmo o efeito demográfico do tráfico atlântico de escravos sobre a população africana não é claro, até porque variou muito de acordo com a região e o tempo. Recorde-se que entre 1500 e 1900 nenhuma região de África viu sair tanta gente como Portugal e a Grã-Bretanha. Nesses países, a emigração quase não trouxe desvantagens, mas proporcionou um alívio considerável da pressão populacional. Esta última também terá ocorrido na África, porque o fato de a emigração da Europa ter sido em grande parte voluntária e a da África não, não desempenha um papel nisso.

 

(Continua...)

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Ano Litúrgico - Ciclo B

 


Quinto Domingo Do Tempo Comum - Marcos, 1, 30-31

(A sogra de Simão estava de cama com febre... Aproximando-se tomou-a pela mão e a levantou da cama. A febre a deixou e ela se pôs a servi-los)

 

A multidão pede milagres,
quer se maravilhar, busca o sucesso.
Será que aqui há um herói, um guru,
que nos dê a mão?
 
A multidão não conta agora.
O que importa é esta pessoa:
Uma mulher com febre,
ansiando por sombra.
 
Jesus se curva,
fraco com os fracos.
A multidão vai atrás de Jesus,

a mulher se levanta e O segue.

 

Interpretação

 

O texto apresenta um contraste entre a multidão, que busca milagres e sucesso, e uma mulher com febre, que busca apenas sombra e alívio.

No primeiro parágrafo, o texto descreve a multidão como uma massa de pessoas que quer se maravilhar e busca o sucesso. Essa multidão está em busca de um herói, de um guru, que lhes dê a mão e os guie.

No segundo parágrafo, o texto apresenta uma mudança de foco. A multidão não conta mais. O que importa agora é a mulher com febre. Essa mulher é uma pessoa singular, que está ansiando por sombra e alívio.

No terceiro parágrafo, o texto apresenta Jesus. Jesus se curva diante da mulher, mostrando-se fraco com os fracos. Jesus é o oposto do que a multidão está procurando. Ele não é um herói, nem um guru. Ele é um homem compassivo, que se importa com as pessoas comuns.

No quarto parágrafo, o texto mostra a reação da multidão e da mulher. A multidão vai atrás de Jesus, mas a mulher se levanta e O segue. A mulher é a única que entendeu o verdadeiro significado de Jesus. Ela é a única que viu nele um salvador, não um mero milagreiro.

O texto pode ser interpretado de várias maneiras. Uma interpretação possível é que o texto está criticando a busca por milagres e sucesso. O texto sugere que essas coisas não são importantes. O que é realmente importante é o amor, a compaixão e o cuidado com os outros.

Outra interpretação possível é que o texto está apresentando Jesus como um modelo a ser seguido. Jesus é um homem que se importa com as pessoas comuns. Ele é um homem que está disposto a se curvar e servir os outros.

Independentemente da interpretação, o texto é uma reflexão sobre os valores que são importantes na vida.

 

(Texto: Servaas Bellemakers; Desenho: Wim Hessels; Tradução: André Oliehoek; Interpretação: IA)

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

O Pequeno João

 


Bem, isso foi uma grande surpresa. Durante um ano inteiro ficou sob a terra escura esperando a primeira noite quente. E quando ele esticou a cabeça para fora da terra, todo aquele verde, a grama balançando e os pássaros cantando o deixaram muito envergonhado. Ele não sabia o que fazer. Ele tateava as lâminas da grama nas proximidades com suas antenas e as colocou em forma de leque. Com isso, João percebia que o besouro era um macho. Era muito bonito em sua espécie, tinha pernas negras brilhantes, um abdômen grosso e polinizado e uma couraça que brilhava como um espelho. Felizmente, ele logo viu, não muito longe dele, outro besouro-de-maio, não tão bonito, mas que havia nascido um dia antes e, portanto, era muito mais velho. Muito modestamente, porque ele ainda era tão jovem, se dirige a ele.

"O que você quer, meu amigo", diz o besouro mais velho do alto, porque viu que era um recém-chegado, "você quer me pedir o caminho?"

"Não, mas sabe”, disse o mais novo educadamente, "eu não sei o que fazer aqui. O que se faz sendo um besouro?"

"Ora, ora!", disse o outro, "então você não sabe o que um besouro faz? Bem, eu não o culpo por isso, eu também era assim. Ouça com atenção e eu lhe direi. A principal coisa na vida do besouro-de-maio é comer. Não muito longe daqui há uma preciosa cerca-viva de tília, que foi colocada lá para que possamos comer o tanto quanto quisermos."

"Quem colocou essa sebe de tília lá?", perguntou o jovem besouro.

"Ora, um ser grande, que nos estima muito. Todas as manhãs ele passa pela sebe e o besouro que mais comeu, ele leva consigo para dentro de uma linda casa, onde há uma luz clara e onde todos os besouros estão alegremente reunidos. Mas quem voa a noite toda em vez de comer  será pego pelo morcego."

"O que é isso?", perguntou o besouro recém-chegado.

"É um monstro terrível com dentes afiados que, de repente, vem voando atrás da gente e nos come com um estalo horrível." Quando o besouro disse isso, eles ouviram um chiado estridente acima deles que penetrou até na alma.

"Ué! É ele", gritou o mais velho. "Cuidado com ele, jovem amigo. Seja grato por eu tê-lo avisado a tempo. Você tem uma noite inteira pela frente, não estrague agora. Quanto menos você comer, maior a probabilidade de ser devorado pelo morcego. E só entra na casa com a luz clara quem escolher uma vocação séria. Lembre bem! Uma vocação séria!"

"Então o besouro, que era um dia inteiro mais velho, andou lentamente por entre as lâminas da grama deixando o primeiro estupefato atrás de si. Você sabe o que é uma vocação, João? Não! Bem, aquele besouro jovem também não sabia disso. Ele entendeu que devia estar relacionado à comida. Mas como ele deveria chegar àquela sebe?" Bem ao lado dele estava uma lâmina da grama esbelta e resistente, balançando suavemente ao vento da noite. Agarrou-a com as seis pernas tortas. Visto de baixo, parecia ser um colosso alto e muito íngreme. Ainda assim, o besouro queria subir. "Isso é uma vocação!", pensou, e começou a subir bravamente. Foi lento, muitas vezes escorregando para baixo, mas progrediu. E quando finalmente subiu ao pico mais fino e oscilava com as flutuações, sentiu-se satisfeito e feliz. Que vista ele tinha daqui! Parecia-lhe como se estivesse pesquisando o mundo. Como era maravilhoso estar cercado de ar por todos os lados! Ansiosamente ele respirou fundo até o abdômen se encher de ar. Como as coisas eram estranhas para ele! Ele queria ir ainda mais alto!

Encantado, ele levantou os élitros, fez as asas membranosas tremerem por um momento. Ele queria mais alto!

Mais alto! Novamente suas asas tremiam, suas pernas soltavam a lâmina da grama e... Oh, alegria! Uau! Lá ele voava livre e alegremente no ar calmo e quente da noite."

"E depois?", perguntou João.

"O que se seguiu depois não é tão alegre. Falarei sobre isso mais tarde."

Eles haviam sobrevoado a lagoa. Algumas borboletas brancas tremulavam junto com elas.

"Para onde vai a viagem, elfos?", perguntaram.

"Para a grande rosa da duna, que floresce ali contra a encosta."

"Obá, nós também vamos, nós também vamos!”

De longe ela era visível com suas numerosas e delicadas flores amarelas sedosas e macias. Os botões eram coloridos de vermelho e as flores abertas mostravam listras vermelhas, como sinais do tempo quando ainda eram brotos.

Na tranquilidade solitária, a rosa selvagem da duna floresceu e encheu a área circundante com seus maravilhosos aromas doces. Eles são tão deliciosos que os elfos das dunas vivem apenas deles.

As borboletas rodopiavam em sua direção e beijavam flor após flor. "Viemos confiar-lhe um tesouro", disse Filho da Madrugada, "você vai guardá-lo para nós?"

"Claro que sim! Claro que sim!", sussurrou a rosa da duna, "Tempo para mim não é problema e, se não me tirarem, acho que não vou sair daqui. Além do mais, tenho espinhos bem afiados."

Então o rato-do-campo, primo do rato da escola, veio e cavou um buraco por baixo das raízes da rosa. Lá ele escondeu a chave.

"Se você a quiser novamente, tem que se comunicar comigo. Assim você não vai prejudicar a rosa."

A rosa trançava seus galhos espinhosos sobre a entrada e jurava solenemente guardá-la fielmente. As borboletas eram testemunhas.

Na manhã seguinte, João acordou na sua própria cama, com Presto, o relógio e o papel de parede. O cordão em volta do pescoço dele e a chave haviam desaparecido.