terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

O Pequeno João




"Ah! Filho da Madrugada! Filho da Madrugada!”

"Por que está chorando, João? Você não deve chorar por ter nascido entre os homens. Pois eu gosto de você e o escolhi entre todos. Ensinei a você a linguagem das borboletas e dos pássaros e fiz você compreender o olhar das flores. A lua conhece você e a terra boa e gentil o ama como seu filho mais querido. Por que você não seria feliz, já que eu sou seu amigo?"

"Oh, Filho da Madrugada, eu sou! Eu sou feliz! Mas eu tenho que chorar por todas essas pessoas!"

"Por quê? Você não precisa ficar com eles se estiver sentindo tristeza. Você pode morar aqui e me acompanhar sempre. Vamos viver na parte mais densa da floresta, nas dunas solitárias e ensolaradas ou nos juncos à beira da lagoa. Eu o levarei a todos os lugares, no fundo da água entre as plantas aquáticas, nos palácios dos elfos e nas habitações dos duendes. Flutuarei com você sobre campos e florestas, sobre terras e mares estrangeiros. Eu peço às aranhas de tecerem roupas finas para você e darem-lhe asas iguais às que eu uso. Vamos viver da fragrância das flores e dançar com os elfos ao luar. Quando o outono chegar, vamos com o verão para onde as palmeiras altas se erguem, onde coloridos cachos de flores pendem das rochas e a superfície azul escura do mar brilha ao sol. E sempre vou contar-lhe contos de fadas. Você quer isso, João?"

"Então nunca mais habitarei entre os homens?"

"Tristeza sem fim, tédio, cansaço e tristeza esperam por vocês entre os homens. Dia a dia você vai se preocupar e gemer sob o peso da sua vida. Eles ofenderão e atormentarão sua alma terna com sua grosseria. Eles vão aborrecê-lo até a morte e torturar você. Você ama os homens mais do que a mim?"

"Não! Não! Filho da Madrugada, eu quero ficar com você!'

Agora ele podia mostrar o quanto amava Filho da Madrugada. Sim! Queria ir embora e esquecer tudo por ele. Seu quarto, Presto e seu pai.

Cheio de alegria e determinação, repetiu o seu desejo. A chuva parou. Através de nuvens cinzentas, um sorriso cintilante do sol brilhava sobre a floresta, sobre as folhas úmidas e brilhantes e sobre as gotas que brilhavam em cada galho e talo e adornavam as teias de aranha que se estendiam sobre as folhas de carvalho. Lentamente, uma névoa fina se ergueu do chão úmido entre a vegetação rasteira, carregando consigo mil aromas doces e sonhadores. O melro agora voava para o topo mais alto das árvores e cantava em melodias curtas e sinceras ao sol que se afundava, como que para mostrar qual canção era apropriada aqui, no solene silêncio da noite, como acompanhamento suave das gotas caindo.

"Não é mais bonito do que o som dos homens, João? Sim! O melro sabe acertar o tom. Aqui tudo é harmonia, você nunca vai encontrá-la tão completa entre os homens."

'O que é harmonia, Filho da Madrugada?'

"Isso é o mesmo que felicidade. É a isso que tudo aspira. Também os seres humanos. Mas eles agem como meninos que querem pegar uma borboleta. Na verdade, eles a afugentam por suas tentativas estúpidas."

"E vou encontrar a harmonia com você?"

"Sim, João! Mas aí é preciso esquecer as pessoas. É um mau começo nascer entre os homens, mas você ainda é jovem. Você deve deixar de lado todas as lembranças da sua vida humana. Com elas você se desviaria e cairia em confusão, conflito e miséria. Você seria como o jovem besouro de quem eu te disse."

"O que aconteceu com ele?"

"Ele viu a luz clara de que falava o velho besouro e pensou que a melhor coisa que poderia fazer era voar em direção dela. Ele voou direto para uma sala e caiu em mãos humanas. Durante três dias foi torturado ali. Ficou numa caixa de papelão, amarraram um barbante ao seu pé e obrigavam-no a voar. Depois conseguiu soltar-se, mas perdeu uma asa e uma perna e, por fim, rastejando desamparado num tapete e ainda tentando em vão chegar ao jardim, foi esmagado por um pé pesado.

"Todos os animais, João, que vagueiam à noite são tão bons filhos do sol quanto nós. E embora nunca tenham visto o esplêndido do seu pai, ainda assim uma memória inconsciente sempre os leva a tudo o que brilha. E milhares de pobres criaturas das trevas encontram uma morte miserável através desse amor ao sol, de quem há muito estão separados e afastados. Assim, uma tendência incompreendida e irresistível leva os homens à perdição sob os pretextos daquela Grande Luz que os fez existir e que eles já não conhecem."

Interrogativo João olhou para os olhos de Filho da Madrugada. Mas esses eram profundos e misteriosos, como o céu escuro entre as estrelas.

"Você quer dizer Deus?", perguntou timidamente, por fim.

“Deus?" Os olhos profundos sorriam suavemente. "Eu sei, João, em que você pensa quando pronuncia esse nome: na cadeira em frente à sua cama, onde você faz a longa oração todas as noites; nas cortinas verdes e sem brilho em frente à janela da igreja, para a qual você olha tanto na manhã de domingo; nas letras maiúsculas da sua pequena Bíblia; na bandeja de coleta na igreja; no canto feio e no cheiro do mofo humano. O que você quer dizer com esse nome, João, é uma ilusão ridícula: em vez do sol, uma grande lâmpada de querosene, na qual centenas e milhares de mosquitos estão colados sem nada poderem fazer."

“Mas qual então é o nome dessa Grande Luz, Filho da Madrugada? E a quem devo orar?"

 "João, é como se um pequeno fungo me perguntasse qual é o nome da terra que gira em torno. Se houvesse uma resposta para sua pergunta, você a entenderia tal como uma minhoca entende a música das estrelas. Mas eu vou te ensinar a orar".

E, junto com o pequeno João, que ponderava as palavras de Filho da Madrugada num silêncio espantoso, ele voou para fora da floresta, tão alto que uma longa faixa cintilante como ouro tornou-se visível sobre a borda das dunas. Continuaram voando. O patamar caprichosamente sombreado das dunas deslizava sob seu olhar e o raio de luz ficava cada vez mais largo. A cor esverdeada das dunas desaparecia, a grama marrom aparecia e estranhas plantas azuis pálidas cresciam entre as amófilas. Mais uma alta cordilheira de morros, uma longa e estreita faixa de areia e, em seguida, o mar, largo e imenso.

O azul era a grande superfície, até o horizonte, mas sob o sol uma estreita faixa luzia em brilho vermelho deslumbrante. Uma espuma branca longa e fofa franzia a superfície do mar, como pele de doninha embainha o veludo azul.

E no horizonte havia uma linha fina e maravilhosa entre o ar e a água. Parecia um milagre: reta e ao mesmo tempo curva, afiada e ao mesmo tempo indefinível, visível e ainda insondável. Era como a nota de uma harpa que ressoa longa e sonhadora, que parece morrer e ainda permanece.

Então o pequeno John sentou-se à beira da duna e olhava, olhava... imóvel num silêncio longo que fazia-lhe pensar que estava prestes a morrer, como se as grandes portas douradas do universo estivessem se abrindo imponentes e sua pequena alma flutuasse ao encontro da primeira luz do infinito.

Até que as lágrimas, que brotavam em seus olhos arregalados, cobriam o belo sol e fizeram o esplendor do céu e da terra recuar em um crepúsculo escuro e trêmulo...

"É assim que você deve orar", disse Filho da Madrugada. 

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