De onde vinham os escravos (Continuação)
Não só no Norte da África os africanos conseguiram impedir a
invasão dos europeus, mas também na África Ocidental e Central. Mesmo sem as
doenças tropicais mortais, os europeus não teriam ido muito longe, porque
naquelas partes da África havia uma série de Estados bem organizados com
grandes exércitos. E, tal como na Europa, havia uma luta pelo poder entre os
diferentes Estados. Testemunhas disso foram os neerlandeses que se
estabeleceram em vários fortes na Costa do Ouro. Assim, a vila de Elmina,
localizada perto da principal fortaleza neerlandesa, tornou-se uma unidade
política independente. Os neerlandeses pagavam aluguel anual pelo terreno em
que o forte foi construído e contavam com o apoio militar dos elmineses caso
fossem atacados. Os britânicos nas proximidades de Fort Cape Castle tinham uma
conexão semelhante com os Fanti. E quando os Fanti e os Elmineses lutavam entre
si, os comandantes dos fortes britânicos e neerlandeses, muitas vezes, atuavam
como mediadores para impedir que o fornecimento de produtos e escravos do
interior fosse cortado.
Também no interior ocorriam, muitas vezes, tudo quanto tipo
de mudanças políticas, das quais as pessoas nos fortes no litoral nem sempre
tinham conhecimento suficiente. No entanto, tornou-se claro que no final do
século XVII um novo estado havia surgido no interior da Costa do Ouro: o reino
de Asante com sua capital em Kumasi. Com esse poder, os neerlandeses
construíram uma amizade de longo prazo. Colocar panos quentes, resolver
conflitos internos, distribuir presentes regularmente – isso é tudo o que os neerlandeses
podiam fazer. Não é de admirar que o pessoal da Companhia das Índias Ocidentais
(CIO), ao regressarem para casa, tinha de explicar que a autoridade neerlandesa
na África Ocidental parava lá onde as balas das armas do forte conseguiam
chegar.
Aliás, seria um erro supor que a presença neerlandesa na
Costa do Ouro significava automaticamente que o comércio naquela área era
também o mais extenso. A oferta era muito variada para isso, especialmente
quando os comerciantes neerlandeses passaram a se interessar cada vez mais pela
compra de escravos após a conquista de parte do Brasil. Estes eram inicialmente
oferecidos – como o nome já sugere – na Costa dos Escravos, onde todos os tipos
de mudanças políticas ocorriam ao longo do tempo. No interior da Costa dos
Escravos, o grande e poderoso estado do Daomé surgiu na primeira metade do
século XVIII, enquanto no litoral houve uma balcanização política.
Um desses pequenos estados costeiros era Ouida (também
chamado de Fida ou Wydah), onde o governante mantinha uma estrita neutralidade
em relação aos comerciantes europeus. Os europeus não foram autorizados a
construir fortes lá. De Elmina, a CIO enviou um representante, um fator, para
Ouida para comprar escravos, que foram então transportados para Elmina antes de
serem embarcados para a travessia. Um desses fatores foi Willem Bosman, que
ficou na costa africana por volta de 1700 e registrou suas descobertas. Ele
ficou muito impressionado com o rei de Ouida, a quem chamou de "o mais
educado e benevolente" de todos os governantes africanos. Essa atitude
positiva foi provavelmente o resultado do fato de que, durante a estadia de
Bosman, a compra de escravos correu bem. Os comerciantes de Ouida, com quem
Bosman fazia negócios, eram bons em fazer contas de cabeça; "mais rápido
do que nós com caneta e tinta [...] por isso era mais fácil fazer negócios com
eles do que com aqueles outros porcos estúpidos de negros”.
Por último, há que mencionar a costa da África Central. Lá os
neerlandeses haviam comprado muitos escravos nos anos seguintes à conquista de
Luanda dos portugueses, portanto entre 1640 e 1648. Depois que os neerlandeses foram
expulsos de Angola e do Brasil, o tratado de paz de 1661 com Portugal estipulou
que os navios negreiros portugueses (leia-se: brasileiros) poderiam
comercializar ao longo da Costa do Ouro e os navios negreiros neerlandeses nas
costas de Loango, Congo e Ndongo. Lá, a oferta de escravos era muitas vezes
maior do que na Costa do Ouro ou dos Escravos, o que explica por que, a partir
de meados do século XVII, cerca de 25 a 30 por cento dos escravos nos navios
neerlandeses vieram da África Central. A longo prazo, as mudanças bruscas na
oferta levaram a CIO a decidir encerrar os escritórios comerciais na costa
angolana. Isso tornou aquela costa muito atraente para os comerciantes
neerlandeses ilegais. Em 1695, um tal traficante ilegal de escravos fora da CIO
transportou um membro da família real do estado costeiro de Sonho como escravo
para o Caribe. Imediatamente o tráfico de escravos estagnou e somente depois
que esse africano foi localizado – ele acabou sendo vendido a um fazendeiro
surinamês – resgatado e devolvido, o tráfico de escravos pôde ser retomado.
A descrição de Bosman também mostra que os governos
africanos, como os europeus, queriam regulamentar o comércio de longa distância
na esperança de mais receitas. Os europeus fizeram isso estabelecendo empresas
monopolistas, os reis africanos concedendo a si mesmos o direito exclusivo do
comércio de escravos. E, assim como na Europa, esses monopólios desapareceram
em grande parte no século XVIII, quando o tráfico de escravos agigantou.
O comércio com a África mudou esse continente? De qualquer
forma, isso não pode ter acontecido apenas através de contatos comerciais
neerlandeses, porque, em comparação com Portugal, Inglaterra e França, o nosso
país era apenas um pequeno interveniente. O comércio de todas as nações
comerciais europeias em conjunto teve, sem dúvida, consequências políticas.
Provavelmente muitos estados costeiros, como Elmina, foram capazes de manter
sua independência ou se separar dos grandes estados do interior devido aos
intensos contatos comerciais ultramarinos. Resta saber se as armas de fogo
importadas da Europa desempenharam um papel nisso. De qualquer forma, o número
de armas de fogo importadas por pessoa era muito menor do que na América do
Norte, e nunca houve uma ligação entre o volume de importações de armas e a
formação do Estado. Mesmo o efeito demográfico do tráfico atlântico de escravos
sobre a população africana não é claro, até porque variou muito de acordo com a
região e o tempo. Recorde-se que entre 1500 e 1900 nenhuma região de África viu
sair tanta gente como Portugal e a Grã-Bretanha. Nesses países, a emigração
quase não trouxe desvantagens, mas proporcionou um alívio considerável da
pressão populacional. Esta última também terá ocorrido na África, porque o fato
de a emigração da Europa ter sido em grande parte voluntária e a da África não,
não desempenha um papel nisso.
(Continua...)
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