terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

História da Escrvidão

 


De onde vinham os escravos (Continuação)

Não só no Norte da África os africanos conseguiram impedir a invasão dos europeus, mas também na África Ocidental e Central. Mesmo sem as doenças tropicais mortais, os europeus não teriam ido muito longe, porque naquelas partes da África havia uma série de Estados bem organizados com grandes exércitos. E, tal como na Europa, havia uma luta pelo poder entre os diferentes Estados. Testemunhas disso foram os neerlandeses que se estabeleceram em vários fortes na Costa do Ouro. Assim, a vila de Elmina, localizada perto da principal fortaleza neerlandesa, tornou-se uma unidade política independente. Os neerlandeses pagavam aluguel anual pelo terreno em que o forte foi construído e contavam com o apoio militar dos elmineses caso fossem atacados. Os britânicos nas proximidades de Fort Cape Castle tinham uma conexão semelhante com os Fanti. E quando os Fanti e os Elmineses lutavam entre si, os comandantes dos fortes britânicos e neerlandeses, muitas vezes, atuavam como mediadores para impedir que o fornecimento de produtos e escravos do interior fosse cortado.

Também no interior ocorriam, muitas vezes, tudo quanto tipo de mudanças políticas, das quais as pessoas nos fortes no litoral nem sempre tinham conhecimento suficiente. No entanto, tornou-se claro que no final do século XVII um novo estado havia surgido no interior da Costa do Ouro: o reino de Asante com sua capital em Kumasi. Com esse poder, os neerlandeses construíram uma amizade de longo prazo. Colocar panos quentes, resolver conflitos internos, distribuir presentes regularmente – isso é tudo o que os neerlandeses podiam fazer. Não é de admirar que o pessoal da Companhia das Índias Ocidentais (CIO), ao regressarem para casa, tinha de explicar que a autoridade neerlandesa na África Ocidental parava lá onde as balas das armas do forte conseguiam chegar.

Aliás, seria um erro supor que a presença neerlandesa na Costa do Ouro significava automaticamente que o comércio naquela área era também o mais extenso. A oferta era muito variada para isso, especialmente quando os comerciantes neerlandeses passaram a se interessar cada vez mais pela compra de escravos após a conquista de parte do Brasil. Estes eram inicialmente oferecidos – como o nome já sugere – na Costa dos Escravos, onde todos os tipos de mudanças políticas ocorriam ao longo do tempo. No interior da Costa dos Escravos, o grande e poderoso estado do Daomé surgiu na primeira metade do século XVIII, enquanto no litoral houve uma balcanização política.

Um desses pequenos estados costeiros era Ouida (também chamado de Fida ou Wydah), onde o governante mantinha uma estrita neutralidade em relação aos comerciantes europeus. Os europeus não foram autorizados a construir fortes lá. De Elmina, a CIO enviou um representante, um fator, para Ouida para comprar escravos, que foram então transportados para Elmina antes de serem embarcados para a travessia. Um desses fatores foi Willem Bosman, que ficou na costa africana por volta de 1700 e registrou suas descobertas. Ele ficou muito impressionado com o rei de Ouida, a quem chamou de "o mais educado e benevolente" de todos os governantes africanos. Essa atitude positiva foi provavelmente o resultado do fato de que, durante a estadia de Bosman, a compra de escravos correu bem. Os comerciantes de Ouida, com quem Bosman fazia negócios, eram bons em fazer contas de cabeça; "mais rápido do que nós com caneta e tinta [...] por isso era mais fácil fazer negócios com eles do que com aqueles outros porcos estúpidos de negros”.

Por último, há que mencionar a costa da África Central. Lá os neerlandeses haviam comprado muitos escravos nos anos seguintes à conquista de Luanda dos portugueses, portanto entre 1640 e 1648. Depois que os neerlandeses foram expulsos de Angola e do Brasil, o tratado de paz de 1661 com Portugal estipulou que os navios negreiros portugueses (leia-se: brasileiros) poderiam comercializar ao longo da Costa do Ouro e os navios negreiros neerlandeses nas costas de Loango, Congo e Ndongo. Lá, a oferta de escravos era muitas vezes maior do que na Costa do Ouro ou dos Escravos, o que explica por que, a partir de meados do século XVII, cerca de 25 a 30 por cento dos escravos nos navios neerlandeses vieram da África Central. A longo prazo, as mudanças bruscas na oferta levaram a CIO a decidir encerrar os escritórios comerciais na costa angolana. Isso tornou aquela costa muito atraente para os comerciantes neerlandeses ilegais. Em 1695, um tal traficante ilegal de escravos fora da CIO transportou um membro da família real do estado costeiro de Sonho como escravo para o Caribe. Imediatamente o tráfico de escravos estagnou e somente depois que esse africano foi localizado – ele acabou sendo vendido a um fazendeiro surinamês – resgatado e devolvido, o tráfico de escravos pôde ser retomado.

A descrição de Bosman também mostra que os governos africanos, como os europeus, queriam regulamentar o comércio de longa distância na esperança de mais receitas. Os europeus fizeram isso estabelecendo empresas monopolistas, os reis africanos concedendo a si mesmos o direito exclusivo do comércio de escravos. E, assim como na Europa, esses monopólios desapareceram em grande parte no século XVIII, quando o tráfico de escravos agigantou.

O comércio com a África mudou esse continente? De qualquer forma, isso não pode ter acontecido apenas através de contatos comerciais neerlandeses, porque, em comparação com Portugal, Inglaterra e França, o nosso país era apenas um pequeno interveniente. O comércio de todas as nações comerciais europeias em conjunto teve, sem dúvida, consequências políticas. Provavelmente muitos estados costeiros, como Elmina, foram capazes de manter sua independência ou se separar dos grandes estados do interior devido aos intensos contatos comerciais ultramarinos. Resta saber se as armas de fogo importadas da Europa desempenharam um papel nisso. De qualquer forma, o número de armas de fogo importadas por pessoa era muito menor do que na América do Norte, e nunca houve uma ligação entre o volume de importações de armas e a formação do Estado. Mesmo o efeito demográfico do tráfico atlântico de escravos sobre a população africana não é claro, até porque variou muito de acordo com a região e o tempo. Recorde-se que entre 1500 e 1900 nenhuma região de África viu sair tanta gente como Portugal e a Grã-Bretanha. Nesses países, a emigração quase não trouxe desvantagens, mas proporcionou um alívio considerável da pressão populacional. Esta última também terá ocorrido na África, porque o fato de a emigração da Europa ter sido em grande parte voluntária e a da África não, não desempenha um papel nisso.

 

(Continua...)

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