Conheci várias personalidades cuja acuidade mental me assombraram. Entre
elas, o cel. João Alberto, que foi interventor em São Paulo e que, ao meio da
pergunta dava a resposta; Jânio Quadros que, discursando, por simples contração
facial de um assistente, modificava a argumentação; o presidente Juscelino
Kubitschek, cuja agudeza de espírito é inegável. Mas não era o orador nato, não
era a obstinação de realizar o quase impossível nem era o populismo inato de
Juscelino o que, nele, mais me pasmava senão sua resistência.
De uma vez, vi-me vice-líder, na liderança da bancada, pois o líder viajara
e, nessa posição, recebi, do Palácio, convite para acompanhar o governador de
Minas a Ouro Preto, numa das comemorações a Tiradentes. Avesso às comitivas
oficiais, fui forçado a enfrentar o imprevisto.
O único consolo fora ouvir o orador oficial, Pedro Calmon, substituto,
entre nós, da eloquência de Rui.
Marcada a saída para as cinco horas, o recurso foi levantar-me às quatro.
Na gares começou o atraso. Não havia chegado o senador Meio Viana; faltava o
Des. Nizio Batista, presidente do Tribunal, e outros... Eram quase sete, quando
o comboio se movimentou. Em cada estação, uma professora, os alunos e o
discursinho de praxe. Juscelino respondia radiante. Para encurtar: só às 14
horas, chegamos à antiga Capital de Minas, cheios de discursos, foguetes e
bandas de música. Houve, afinal, a comemoração, a coroa de flores na estátua do
Mártir, a oração inesquecível de Calmon, e outras, e outras.
Às quatro da tarde, ou dezesseis horas, como se diz hoje, fomos almoçar,
com o estômago cheio de palavras e de protestos. E recomeçaram as parlengas, só
terminadas às vinte horas, com as palavras de Juscelino. Na volta, em
Itabirito, o José Augusto estava firme, com banda de música e povo, para o
discurso quilométrico.
Sintetizando, retornamos a Belo Horizonte às duas da madrugada, moídos,
esfacelados, esfrangalhados.
Ao atingir o Hotel e abrir a porta, qual não foi nossa surpresa ao
encontrar, posto por baixo da porta, um bilhete do Palácio: “O Governador
convida-o para acompanhá-lo a Pouso Alegre, hoje, às cinco horas”.
Lembrei-me de que, no quarto ao lado, estava o representante de Guaxupé.
Sem mais aquela, esmurrei a porta e lhe entreguei o bilhete:
— Você é da região e o
Governador o intima para acompanhá-lo. E fui dormir.
Dois dias após, encontrei o Dr. José Felipe, de Guaxupé; e ele foi
contando:
— Saímos às 5 da manhã e
descemos do avião, num campo longe da cidade. Houve foguetes, música e discursos.
O governador ia a pé, cumprimentando a todos. Inauguração da escola e
discursos. Ida, a pé, a uma ponte afastada dois quilômetros, para inaugurá-la.
Discursos ao sol ardente. Outra inauguração no mesmo estilo. Em fim, o
banquete. Discursos. Depois, o comício na praça pública. Um dos oradores falou
hora e meia. Já noite, terminou a festa. Terminou? Nada. Juscelino começou a
receber as embaixadas municipais. Quando a última, de Caxambu, saiu, eram três
horas da madrugada. O governador exclamou:
— Estou com sede. Não
encontraríamos uma água mineral?
Olhei, da janela, a praça. Do outro lado, um bar, com as cadeiras sobre as
mesas. “Existe um bar, informei, a fechar-se”.
Atravessamos a praça. O proprietário, reconhecendo o governador,
desmanchou-se em amabilidades. E Juscelino, surpreendente:
— Dizem que meu apelido é
“Pé de Valsa”. Gosto de dança. Que bom seria se tivéssemos um baile agora.
E o Dr. José Felipe, amargurado:
— Nunca mais acompanho
Juscelino. Depois de dois dias de atividade febril, alta madrugada, o homem
pensava em dançar...