quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O Exagerado



Com a decadência da aristocracia rural, no começo do século, rompeu-se a estrutura colonialista do país. Agravaram a situação, a crise e o posterior desaparecimento da lavoura de café, na Zona da Mata. Em conseqüência, muitas famílias de tradição e alto conceito se viram, a pouco e pouco, reduzidas econômicamente. Entre elas, em nosso meio, a do velho Jacinto de Moura. Meu escritório, há quatro décadas, foi muito frequentado por seus filhos, que conservaram a impressão do poderio antigo. O tenente Belmiro chegou a figura popular no fim da vida. O Hórácio sonhava reconquistar a “Fazenda Brasileira”, perdida para o Cel. Fidelis numa ação executiva. Entanto, o mais “crente” deles era o Antônio Jacinto de Moura, de imaginação fértil, que a si se atribuía uma importância digna de admiração.
Certa vez, procurou o nosso escritório para contar sua fortuna (até me lembro de uma República de estudantes de Ouro Preto — os Milionários da Miséria), pondo-me ao par de aventuras insólitas.
A certa altura, perguntou-me:
— Sabe que fui eu quem inventou o arranha-céu?
— Não diga. Como?
— Numa ocasião, conta o Antônio Jacinto, resolvi mudar-me para São Paulo. Lá chegando, com pouco dinheiro, decidi morar no jardim. Como havia quatro palmeiras novas, duas a duas, furei-as e estendi paus paralelos, coloquei tábuas, fazendo um estrado. Fiz a coberta e a casa estava pronta. Ali dormi poucas noites. Notei que a casa ia subindo. Fiz outro estrado abaixo daquele. Mas as palmeiras cresciam à noite e, de manhã, já era difícil descer. Precisava fazer outro estrado mais baixo. Daí a tempos olhava-se da praça e se via um rol de casas emendadas... Um morador vizinho achou a ideia interessante e mandou fazer um punhado de casas, umas sobre as outras. Desta maneira, nasceu o arranha-céu...
— E como você voltou de São Paulo, Antônio?
Essa é que foi a melhor. O dinheiro acabou. Não podia voltar. Comecei a andar pelas ruas, quando li, numa porta: “Delegacia de Polícia”. Veio-me uma ideia salvadora. Entrei. Pedi para falar, com urgência, ao Delegado. Atendeu-me com curiosidade. Então contei-lhe que era de Minas, da cidade de Ubá, tenente da Guarda Nacional. Mas havia praticado um crime de morte e fugido para São Paulo. Fiquei arrependido, com muito remorso e resolvi entregar-me à polícia.
O Delegado tomou nota, ditou o depoimento e disse que estava eu preso e que me mandaria remeter para Belo Horizonte, com um ofício. Na realidade, mandou dois soldados me levarem e me entregarem na Casa de Correção. Quando eles saíram, chamei o guarda e lhe disse que precisava falar com o Raul Soares, que era o Presidente do Estado e meu primo. O guarda deu uma formidável gargalhada.
E depois, perguntei?
Fiz um escarcéu na prisão, reclamei em altos brados, clamando que precisava dar explicações ao governador. Chamaram o Diretor do Presídio. Provei que era de Ubá e o Diretor me levou ao telefone. O Oficial de Gabinete atendeu, mas não queria chamar o Presidente. Mas diante de minha insistência, o Raul foi ao fone. E eu contei o meu aperto e o ardil para voltar a Minas. O Raul mandou o Secretário me levar um passe para Ubá e mais 5$000 para as despesas, dizendo:
Esse parente é um doido, é um doido... 

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