Com a decadência da aristocracia rural, no começo do século, rompeu-se a
estrutura colonialista do país. Agravaram a situação, a crise e o posterior
desaparecimento da lavoura de café, na Zona da Mata. Em conseqüência, muitas
famílias de tradição e alto conceito se viram, a pouco e pouco, reduzidas
econômicamente. Entre elas, em nosso meio, a do velho Jacinto de Moura. Meu
escritório, há quatro décadas, foi muito frequentado por seus filhos, que
conservaram a impressão do poderio antigo. O tenente Belmiro chegou a figura
popular no fim da vida. O Hórácio sonhava reconquistar a “Fazenda Brasileira”,
perdida para o Cel. Fidelis numa ação executiva. Entanto, o mais “crente” deles
era o Antônio Jacinto de Moura, de imaginação fértil, que a si se atribuía uma
importância digna de admiração.
Certa vez, procurou o nosso escritório para contar sua fortuna (até me
lembro de uma República de estudantes de Ouro Preto — os Milionários da
Miséria), pondo-me ao par de aventuras insólitas.
A certa altura, perguntou-me:
— Sabe que fui eu quem inventou o arranha-céu?
— Não diga. Como?
— Numa ocasião, conta o Antônio Jacinto, resolvi mudar-me para São Paulo.
Lá chegando, com pouco dinheiro, decidi morar no jardim. Como havia quatro
palmeiras novas, duas a duas, furei-as e estendi paus paralelos, coloquei
tábuas, fazendo um estrado. Fiz a coberta e a casa estava pronta. Ali dormi
poucas noites. Notei que a casa ia subindo. Fiz outro estrado abaixo daquele.
Mas as palmeiras cresciam à noite e, de manhã, já era difícil descer. Precisava
fazer outro estrado mais baixo. Daí a tempos olhava-se da praça e se via um rol
de casas emendadas... Um morador vizinho achou a ideia interessante e mandou
fazer um punhado de casas, umas sobre as outras. Desta maneira, nasceu o arranha-céu...
— E como você voltou de São Paulo, Antônio?
— Essa é que foi a melhor.
O dinheiro acabou. Não podia voltar. Comecei a andar pelas ruas, quando li,
numa porta: “Delegacia de Polícia”. Veio-me uma ideia salvadora. Entrei. Pedi
para falar, com urgência, ao Delegado. Atendeu-me com curiosidade. Então
contei-lhe que era de Minas, da cidade de Ubá, tenente da Guarda Nacional. Mas
havia praticado um crime de morte e fugido para São Paulo. Fiquei arrependido,
com muito remorso e resolvi entregar-me à polícia.
O Delegado tomou nota, ditou o depoimento e disse que estava eu preso e que
me mandaria remeter para Belo Horizonte, com um ofício. Na realidade, mandou
dois soldados me levarem e me entregarem na Casa de Correção. Quando eles
saíram, chamei o guarda e lhe disse que precisava falar com o Raul Soares, que
era o Presidente do Estado e meu primo. O guarda deu uma formidável gargalhada.
— E depois, perguntei?
— Fiz um escarcéu na
prisão, reclamei em altos brados, clamando que precisava dar explicações ao
governador. Chamaram o Diretor do Presídio. Provei que era de Ubá e o Diretor
me levou ao telefone. O Oficial de Gabinete atendeu, mas não queria chamar o
Presidente. Mas diante de minha insistência, o Raul foi ao fone. E eu contei o
meu aperto e o ardil para voltar a Minas. O Raul mandou o Secretário me levar
um passe para Ubá e mais 5$000 para as despesas, dizendo:
— Esse parente é um doido,
é um doido...