terça-feira, 26 de julho de 2011

A Manifestação Inusitada

Recebemos, no correr da vida, várias manifestações. Foram-nos oferecidos alguns banquetes, tomamos parte em numerosas solenidades de alto coturno, mas uma nos deixou perplexos.
Depois do jantar, no hotel, saíramos com um colega, o Dr. José Felipe da Silva, então representando Guaxupé na Assembleia Legislativa e hoje Diretor da Caixa Econômica Estadual. Procurávamos uma distração noturna e ele, como sempre, propôs um filme de bang-bang. Como não assistimos a tais fitas, optamos pelo teatro. Separamo-nos. Inaugurara-se um teatro novo em Belo Horizonte, no antigo Cinema Pio XII, onde a Companhia Roseli Mendes levava ao palco uma peça curiosa — “A Tradicional Família Mineira”. Para lá nos dirigimos.
Quando penetramos no salão, medimos a assistência. Pequena e sem um conhecido sequer. Alegramo-nos. Ficávamos à vontade. Partimos para a extremidade vazia e, como caipira que sempre fomos, viramos uma cadeira, nela pusemos os pés, recostamos sobre a outra o corpo cansado e acendemos um charuto que ganháramos pouco antes.
A comédia era, em verdade, mui chistosa e dávamos boas gargalhadas, que deviam assustar o auditório desconhecido.
Por fás ou por nefas, começou nesta altura, o estranho quiproquó. Abordou-nos um cavalheiro, interrogando:
— Dr. Odilon Azevedo, o Sr. vai estrear quinta-feira, no Francisco Nunes?
Repimpado nas cadeiras, apenas tirei o charuto da boca e respondi:
— Não sou Odilon Azevedo. Conheço-o. Deve estar representando, com Dulcina, no Rio.
            E continuei — quando o marido mineiro padecia, no palco, as afrontas da esposa-megera — a soltar gargalhadas.
Porém, o incômodo interrogante voltou dentro em pouco, em tom de intimidade:
— Dr. Odilon, o Sr. está gostando da peça?
— Estou gostando, mas não sou Odilon. Procure para trás, que ele deve estar por aí...
E continuei recostado, pés sobre a cadeira e charuto na boca.
Durou pouco, todavia, a nossa tranquilidade.
O artista principal da Companhia, de nome arrevesado e polaco, no intervalo, abriu o pano de bocas com um grupo de moças, e descarregou o discurso:
“A Companhia Roseli Mendes se acha envaidecida e sobremodo orgulhosa em prestar esta homenagem. Está assistindo nossa representação um dos maiores artistas nacionais, que percorreu os palcos do Brasil de Sul a Norte e, transpondo o oceano, elevou o nome do Teatro nacional nos grandes tablados europeus. Odilon Azevedo, glória, glória, glória”.:, e foi por aí afora.
Como o homem baixasse, de quando em vez, o olhar flamejante sobre nós, retirei as pernas da cadeira. Peguei o charuto e olhei, assustado, para a assistência. Nenhum conhecido. ‘Retomei a displicente posição anterior, enquanto o discurso prosseguia.
O pior foi quando, terminada a representação, fui saindo atrás do povo e o moço inconveniente nos puxou pelo ombro:
— Dr. Odilon, d. Roseli Mendes quer um bate-papo com o senhor, no camarim.
—Já disse, respondi, que não sou Odilon Azevedo. Vá baixar noutro centro...
E apertei o pé, mais assustado ainda.