sábado, 5 de novembro de 2011

A Resistência de Juscelino



Conheci várias personalidades cuja acuidade mental me assombraram. Entre elas, o cel. João Alberto, que foi interventor em São Paulo e que, ao meio da pergunta dava a resposta; Jânio Quadros que, discursando, por simples contração facial de um assistente, modificava a argumentação; o presidente Juscelino Kubitschek, cuja agudeza de espírito é inegável. Mas não era o orador nato, não era a obstinação de realizar o quase impossível nem era o populismo inato de Juscelino o que, nele, mais me pasmava senão sua resistência.
De uma vez, vi-me vice-líder, na liderança da bancada, pois o líder viajara e, nessa posição, recebi, do Palácio, convite para acompanhar o governador de Minas a Ouro Preto, numa das comemorações a Tiradentes. Avesso às comitivas oficiais, fui forçado a enfrentar o imprevisto.
O único consolo fora ouvir o orador oficial, Pedro Calmon, substituto, entre nós, da eloquência de Rui.
Marcada a saída para as cinco horas, o recurso foi levantar-me às quatro. Na gares começou o atraso. Não havia chegado o senador Meio Viana; faltava o Des. Nizio Batista, presidente do Tribunal, e outros... Eram quase sete, quando o comboio se movimentou. Em cada estação, uma professora, os alunos e o discursinho de praxe. Juscelino respondia radiante. Para encurtar: só às 14 horas, chegamos à antiga Capital de Minas, cheios de discursos, foguetes e bandas de música. Houve, afinal, a comemoração, a coroa de flores na estátua do Mártir, a oração inesquecível de Calmon, e outras, e outras.
Às quatro da tarde, ou dezesseis horas, como se diz hoje, fomos almoçar, com o estômago cheio de palavras e de protestos. E recomeçaram as parlengas, só terminadas às vinte horas, com as palavras de Juscelino. Na volta, em Itabirito, o José Augusto estava firme, com banda de música e povo, para o discurso quilométrico.
Sintetizando, retornamos a Belo Horizonte às duas da madrugada, moídos, esfacelados, esfrangalhados.
Ao atingir o Hotel e abrir a porta, qual não foi nossa surpresa ao encontrar, posto por baixo da porta, um bilhete do Palácio: “O Governador convida-o para acompanhá-lo a Pouso Alegre, hoje, às cinco horas”.
Lembrei-me de que, no quarto ao lado, estava o representante de Guaxupé. Sem mais aquela, esmurrei a porta e lhe entreguei o bilhete:
Você é da região e o Governador o intima para acompanhá-lo. E fui dormir.
Dois dias após, encontrei o Dr. José Felipe, de Guaxupé; e ele foi contando:
Saímos às 5 da manhã e descemos do avião, num campo longe da cidade. Houve foguetes, música e discursos. O governador ia a pé, cumprimentando a todos. Inauguração da escola e discursos. Ida, a pé, a uma ponte afastada dois quilômetros, para inaugurá-la. Discursos ao sol ardente. Outra inauguração no mesmo estilo. Em fim, o banquete. Discursos. Depois, o comício na praça pública. Um dos oradores falou hora e meia. Já noite, terminou a festa. Terminou? Nada. Juscelino começou a receber as embaixadas municipais. Quando a última, de Caxambu, saiu, eram três horas da madrugada. O governador exclamou:
Estou com sede. Não encontraríamos uma água mineral?
Olhei, da janela, a praça. Do outro lado, um bar, com as cadeiras sobre as mesas. “Existe um bar, informei, a fechar-se”.
Atravessamos a praça. O proprietário, reconhecendo o governador, desmanchou-se em amabilidades. E Juscelino, surpreendente:
Dizem que meu apelido é “Pé de Valsa”. Gosto de dança. Que bom seria se tivéssemos um baile agora.
E o Dr. José Felipe, amargurado:
Nunca mais acompanho Juscelino. Depois de dois dias de atividade febril, alta madrugada, o homem pensava em dançar...

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