domingo, 8 de maio de 2011

Convicções do Presidente

Ninguém que o tenha conhecido de perto, negará a formação carismática do Presidente Artur Bernardes. Aquele ângulo de doutrinador, aquela confiança em si próprio, aquele idealismo que colocava a Pátria acima de tudo, em todos os momentos, advinha, como acentuou Afonso Arinos em “Um Estadista da República”, de “uma fé quase religiosa na missão republicana que lhe tinha sido atribuída por Deus ou pelo destino”. Sempre preocupado com o futuro do país, foi, indubitavelmente, pela pureza e sinceridade de convicções, a maior figura de patriota do Brasil, depois de 89. A inquebrantável confiança na justiça e na moral que adotou, levava-o a crer na inarredável vitória final das lutas que sustentava, servido por qualidades excepcionais, não sendo a menor a pasmosa memória fisionômica. Podia ser apresentado, em meio à multidão, a determinada pessoa uma vez, que, passados anos, a reconhecia e chamava pelo nome. Registrei vários fatos dessa espécie.


Mas o caráter messiânico de sua formação é inegável. Nos acontecimentos menores, via o dedo superior a guardá-lo desde o início da carreira. Quando simples Agente Executivo de Viçosa, foi chamado pelo Governador, partindo para a Capital. Quando se preparava, no hotel belorizontino, para a audiência marcada em Palácio, notou que esquecera, em Viçosa, as abotoaduras da camisa de punhos engomados. Era uma vez a sua apresentação, o contato com o governante, a entrevista que lhe abriria o caminho futuro. Desanimado e contrafeito, puxou, lentamente, a gaveta da mesinha a que se abancara. E, maravilha, estava ali um par de abotoaduras deixado por um hóspede desatento. Era o sinal mais evidente da missão que lhe estava reservada, através de uma longa vida tempestuosa.

Tive demonstrações numerosas dessa convicção robusta, mas uma delas, sobretudo, me calou no espírito.

Estávamos no limiar de uma das campanhas desiguais, em que o governo tem tudo e a oposição nada.

O Baião, aquele símbolo de dedicação extremada ao Presidente e a quem estava entregue a sede do partido, dirigiu-se a Bernardes, num tom de súplica:

— Presidente, é necessária a sua volta para Minas, pois com sua presença o PR crescerá e nós nos tornaremos maioria.

Bernardes relanceou o olhar para o espaço. Lembrou, ao certo, a luta brutal em que se empenhava. O ditador Vargas mandara ao Congresso um projeto entreguista do petróleo brasileiro. E ele, com a autoridade imensa do seu passado e de sua experiência, conseguira transformá-lo em projeto nacionalista. Voltando-se, rápido, para o fiel auxiliar:

— Não posso voltar, Baião, porque se eu sair do Rio, eles me vendem o Brasil!

Prevenido contra a imprensa, como vítima de campanhas insidiosas e desmoralizantes, era sobretudo cauteloso com os representantes do jornalismo, que, para ele, eram os “anjos decaídos”, sempre a farejar escândalos e sensacionalismo. Lembro-me de um dia em que estava a conversar com o Presidente, na Rua Valparaíso, 40, quando ressoou o telefone. Era um jornalista de ‘O Globo’, perguntando se Bernardes estivera, na véspera, à tarde, com Eurico Dutra em Palácio.

— Pode desmentir a notícia pelo seu jornal, informou. Não estive, ontem à tarde, com o presidente Dutra.

E para mim, sem perder a austeridade:

Esses jornalistas são muito bisbilhoteiros e enredadores. O Presidente me ouve, mas, como não tem ideias próprias, ouve outros depois e às vezes fica com a última opinião. Ele me perguntou se estive com Dutra à tarde. Não. Estive de manhã.

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