sábado, 14 de maio de 2011

O Fabuloso Peixoto Filho

Certa feita, Agripino Veado fora jantar em nossa casa. Com aquela palestra de encher a sala, lembrava os tempos de infância nas ruas da cidade, a energia e severidade do velho João Gomes Veado, o duro período de tipógrafo na “Gazeta de Ubá”, as espertezas para engodar o Juiz de Direito, Dr. Hermenegildo de Barros, a quem fora secretariar, sendo por ele nomeado Escrivão de Crime da comarca e depois Escrivão de Paz de Sapé. Agripino acabava de aposentar- se como Secretário do Supremo Tribunal Eleitoral, já aposentado, pois, como advogado da Prefeitura do Distrito Federal. Que memória prodigiosa! As figuras da cidade pequena corporificavam-se, renasciam de sua palavra mágica e estavam vivas e se movimentando, num rascunho agitado do ironista perfeito. Quando, no entretanto, lembramos a sua ida para um Tabelionato de Muriaé, antes ainda de sua formatura em direito e de se tornar o causídico famoso, Agripino ficou sério.
— Devo-o, disse ele, a Peixoto Filho.
Lembrou a estreia famosa de seu companheiro e mestre na Câmara Federal, no pedido de licença para processar Alfredo Varela, quando, com um improviso, foi logo considerado o maior orador político do país. O lema da Bandeira de Minas — Libertas quae sera tamen — estava sendo recordado por Barbosa Lima para encantoar os mineiros, mas Peixoto Filho lembrou-lhe que a liberdade republicana fora conseguida e, para conservá-la, nós a queríamos sob a lei, alterando o lema para “sub lege libertas”.
O antigo líder da Maioria e antigo Presidente da Câmara Federal, o conhecedor profundo de Platão e Bergson, o ledor impenitente das revistas de Paris, Londres e Roma, o frequentador assíduo das livrarias e palestrador invejável das literárias, o orador gigante, o Peixoto Filho estadista, surgia sob outras roupagens no seio da cidade provinciana, bem mais modestas, mas não menos expressivas. Era o advogado invejável e o jornalista completo, inteligente, culto e doutrinador, dirigindo uma folha em Ubá e outra em Rio Branco, com colaborações frequentes das jovens Leocádia e Regina Godinho.
Fascinou-me, sobremodo, na narrativa penetrante de Agripino Veado, ao traçar o retrato de corpo inteiro do glorioso ubaense, a fagulha de gênio que o animava.
— Éramos, explicava Agripino, éramos dois os secretários de Peixoto, que em regra não redigia: eu e o Onofre Andrade. Ele ditava, ao mesmo tempo, umas razões criminais para mim e umas razões cíveis para o Onofre, com uma rapidez que mal acompanhávamos seu raciocínio e suas palavras. Ao terminar assuntos tão diversos, nada havia a acrescentar ou corrigir. A forma castiça, a linguagem rica, o argumento incisivo e convincente. Onofre posteriormente me confirmou o fato.
Era Onofre Andrade, professor da Faculdade de Odontologia de Juiz de Fora, proprietário de um laboratório de produtos dentários, cuja produção não vendia no Brasil, pois era integralmente remetida para os Estados Unidos, quando secretariava Peixoto Filho, mero lançador municipal de Ubá.
Enquanto Agripino Veado recordava a figura ilustre com admiração quase religiosa, voltava-me o desejo nunca satisfeito, de conhecer o “Diário” que Peixoto deixou e o livrinho que escreveu: “Reflexões após 14 meses de minha queda política”...

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