sábado, 23 de abril de 2011

COISAS QUE A VIDA ESCREVE

Anderson Moreira escreve no Google o seguinte sobre Ary Gonçalves:

Ubaense nascido em 1905. Ilustre advogado, professor, jornalista, escritor, historiador, ruralista e homem público. Como político e líder de classe foi Deputado Estadual, fundador e presidente do Centro dos Lavradores, da Associação Comercial de Ubá e da Associação dos Empregados no Comércio de Ubá. Fundador e membro da Academia Ubaense de Letras. Faleceu em 1994.

Procurei mais dados sobre Ary Gonçalves por causa de um livreto que caiu nas minhas mãos e que é da sua autoria , a saber: "Coisas que a vida escreve". Trata-se de uma coletânea de crônicas, publicadas no início do século XX no jornal "Cidade de Ubá", editada em 1985 pela Editora Folha de Viçosa Ltda. Ao ler as suas crônicas, escritas de uma maneira gostosa de serem lidas e referentes também às cidades vizinhas de Ubá, ocorreu-me a ideia de que as mesmas talvez pudessem interessar também a outras pessoas desta região abençoada. O próprio autor, ao publicar o livreto, explica da seguinte forma as suas razões para publicar as crônicas:

A subliteratura enche as bibliotecas. São páginas escritas no dia-a-dia, destinadas à vida efêmera dos jornais, a um bocejo de curiosidade ou de interesse. No meio desses escritos digamos transitórios, há fatos e figuras que merecem destaque e que devem permanecer, mercê da ação exercida no ambiente social de uma época.



A exemplo dos numerosos cronistas de ontem e de hoje, de Machado de Assis a Carlos Drumont de Andrade, reunimos algumas crônicas publicadas na “Cidade de Ubá”, que podem servir ao historiador futuro, sequer na parte dos desenhos e do pitoresco.


O leitor julgará se merecem as honras da perpetuidade esboços tão despretensiosos e destinados ao túmulo da memória.

Faço do meu blog um veículo para aqueles que desejarem conhecer as 53 crônicas de Ary Gonçalves.
Segue hoje a primeira.


 Queda dos Peixotos

(Depoimento histórico)

Magro, meio curvo, chupado de rosto, cavanhaque pontiagudos terno branco, chapéu do Chile, sapatos de verniz, o Dr. Carlos Peixoto de Meio era o protótipo do político municipal. O último senador do Impéno, não empossado, era o chefe da oligarquia que se plantou no município por meio século e, embora monarquista inarredável, não dava ensejo, aqui, aos republicanos de porem em prática suas teorias pohficas. Da. Agostinha Brandão, sua esposa, era matrona do Serro, à antiga, mais dona cie casa do que figura dos acanhados meios sociais da época.

O filho do casal, Peixoto Filho, após o novo regime, com assombrosa inteligência, vasta cultura e prestígio nacional, mantinha o domínio doméstico na comarca. O Brasil era republicano. Ubá, monárquico.

Essa contradição provocava a reação dos remanescentes correligionários de Cesário Alvim.

Como pôde cair a importância predominante dos Peixotos nestas terras? A oposição era forte e vinha sendo esbulhada nos reconhecimentos. Na penúltima eleição, de 1907, era clara a vitória dos oposicionistas. Mas no reconhecimento de poderes que era feito pela Câmara Municipal foi anulada a 5•a seção de Ubá e apurada a de Campestre. E era uma vez a eleição dos vereadoz-es oposicionistas, Sebastião Januário Carneiro e Galdino de Faria Alvim, sendo eleitos os situacionistas Agenor Albino de Souza e Manuel Teixefra de Siqueira. O laudo do perito Dr. Levindo Coelho, julgado em 1908 apaixonado e faccioso pelo Tribunal (Revista Forense, vol. X, fls. 510-519), não salvou a oposição possiveimente vitoriosa.

Mas em 1910, seguindo Rui na Campanha Civilista, os Peixotos cederam a vitória aos liderados dos Drs. Cristiano Roças e Martinho Pinto.

A tradição municipal conta que, após o tiroteio na Câmara, o Dr. Carlos Peixoto de Meio, que se negava a sair da cadeira de Presidente, teve a mesma, com ele, arrancada e carregada por dois. jagunços para o centro do largo da Matriz.

Não foi assim. Ouvi, a respeito, o depoimento da figura central da reação, Domingos Jório, então chefe oposicionista de Tocantins.

Quando Raul Soares voltou de São Paulo e assumiu a chefia do hermismo em Rio Branco, em substituição ao irmão assassinado, Dr. Carlos Soares, veio a Ubá para estruturar a campanha situacionista contra o tio, Carlos Peixoto, e o primo, Peixoto Filho.

Difícil era vencer, em Tocantins, Neca Teixeira e Zeca da Costa. Mandou chamar Domingos Jório. Teve, parece, má impressão do “chefe”, na apresentação. deixando transparecer essa sensação de constrangimento. Aquele rapazola, condutor de guarda-costas de São José das Garruchas, não estaria à altura do cometimento.

— Vou mandar-lhe, diz Raul Soares, um batalhão policial, para você ganhar a eleição.

— Não é necessário, responde Jório. Se eu não ganhar, também não perco. Se for preciso, da segunda vez aceito a força pública.

Aquela resposta — se não ganhar, também não perco — mais embaraçou Raul, que apenas disse:

— Não entendo, mas seja como quiser.

De fato, nas eleições, dispondo dos mesários de confiança, Domingos Jório, combinadamente, fez votar todos os seus eleitores em primeiro lugar. Os títulos, trazidos por Neca Teixeira, eram colocados por baixo. E as explicações claras:

— Veja, está tudo em ordem. São chamados os de cima. Fiscalize e não tenha dúvidas. Todos votarão.

Quando, porém, votou o último eleitor hermista, da sala vizinha saíram os canos de carabinas e começou o tiroteio. Os mesários se alarmaram, os eleitores civilistas fugiram espavoridos. Mas Domingos Jório, teatral:

- Que é isso, gente, que é isso?

E ao cessar a fuzilaria e serenarem os &nimos, não havia um só eleitor de Neca Teixeira, da multidão que se apinhava frente à seção eleitoral. E Domingos, calmo, para o chefe civilista:

— Tudo passou. Pode trazer os seus eleitores.

Mas os cabras da roça já estavam longe. E que força os traria de novo, para os canos dos fuzis?

Vencida a eleição contra o civilismo, o malabarismo do velho Carlos Peixoto fê-lo, novamente, Agente Executivo Municipal.

Mas Domingos Jório não se conformou. Marcada a sessão da posse, na hora exata trouxe para o salão do Forum os seus “companheiros”. E ao sinal dado, um seu compadre, barbeiro no Morro do Caputo, como combinado, descarregou o revólver no assoalho. Voaram assistentes por todos os lados. O único que tentou reagir foi o Toté, informa Jório, que estava prevenido e levou-lhe a arma ao peito, explodindo peremptório:

— Não saque a garrucha, porque morre. Todos já saíram e você não fará o sacrifício inútil. Somos o governo.

Retirado o último vereador, fechou ele, com os companheiros, o prédio do Forum, indo calmamente entregar a chave da porta ao Dr. Câncio Prazeres, Juiz de Direito. Este não quis recebê-la, alarmando-se e advertindo que o Governo poderia mandar um batalhão para garantir a posse.

— Nem pense V. Exa. nisso, afirmou Jório. Tudo está articulado com o delegado, Dr. Waldemar Loureiro, que foi pescar.

E a família Peixoto resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro...

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