quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

O Pequeno João

 


II

Estava quente junto à lagoa e havia um silêncio total. O sol, vermelho e cansado de seu trabalho do dia, parecia descansar por um momento no encosto de uma duna distante antes de mergulhar. A água lisa refletia quase todo o seu rosto brilhante. As folhas da faia penduradas sobre a lagoa aproveitavam o silêncio para se olharem cuidadosamente no espelho. A garça solitária, de pé sobre uma perna, entre as folhas largas do lírio-d ‘água, esqueceu-se de que tinha saído para pegar sapos e olhava pensativa na água.

Então João chegou ao gramado para ver a gruta das nuvens. T’xim bum! t’xim bum! As rãs saltavam da margem. O espelho d’água desenhava rugas, a imagem do sol se rompia em listras largas e as folhas de faia farfalhavam perturbadas, pois ainda não haviam terminado sua contemplação.

Amarrado às raízes nuas da faia havia um barquinho velho. João estava estritamente proibido de entrar nela. Oh, quão forte foi a tentação esta noite! Já as nuvens se formavam em um vasto portão atrás do qual o sol iria descansar. Brilhantes fileiras de nuvens alinhadas ao lado como um guarda-costas de armadura dourada. A superfície da água brilhava com ela e faíscas vermelhas voavam como flechas através dos juncos.

Lentamente, João soltou a corda do barco das raízes das faias. Poder flutuar ali, no meio do esplendor! Presto já havia pulado no barco e, antes que seu mestre quisesse, os juncos se separavam e ambos se afastavam na direção do sol da tarde. João deitou-se na proa e olhou para as profundezas da gruta da luz. Asas! pensou ele, agora asas! e para lá!

O sol tinha desaparecido. As nuvens brilhavam. No Leste, o céu era azul escuro. Havia uma fila de salgueiros ao longo da margem. Imóveis, eles jogavam suas estreitas folhas brancas no ar parado. Contra o fundo escuro brilhou aquela linda renda verde pálida.

Silencio! O que foi isso? Algo disparou como um zumbido sobre a superfície da água, como uma leve rajada de vento escavando um sulco agudo na água. Veio das dunas, da gruta das nuvens. Quando João olhou para trás, uma grande libélula azul estava pousada na borda do barco. Nunca tinha visto uma tão grande. Ela ficou parada, mas suas asas continuaram tremendo em um círculo largo. Parecia a João que as pontas de suas asas formavam um anel brilhante.

Isso deve ser uma borboleta de fogo, ele pensou, elas são muito raras.

Mas o anel ficou cada vez maior e as asas tremiam tão rapidamente que João não via nada além de uma névoa. E aos poucos via dois olhos escuros brilharem na névoa. Era uma figura clara e esbelta com um manto azul tenro. Sentou-se no lugar da libélula. Nos cabelos loiros havia uma coroa de ventos brancos e nos ombros asas de tecido tule cristal que brilhavam como uma bolha de sabão em mil cores.

Um estremecimento de felicidade tocou João.

Foi um milagre! "Você vai ser meu amigo?", sussurrou.

Essa era uma maneira esquisita de dirigir-se a um estranho, mas este não era comum. E ele tinha uma sensação como se conhecesse a estranha criatura azul há muito tempo. "Sim, João!", ouviu, e a voz soava como o embaralhar dos juncos ao vento da noite, ou o farfalhar da chuva sobre as folhas na floresta.

"Como é o seu nome?", perguntou João.

"Nasci no cálice da flor chamada ‘bom-dia’. Pode chamar-me: ‘Filho da Madrugada’! “

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