quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

O Pequeno João

 


Você entende agora porque João admirava tanto o cão? Ele era muito íntimo do pequeno Presto. Ele não era um cão bonito ou nobre, mas um cãozinho muito bem-humorado e astuto, que nunca ficava mais de dois passos do João e sentava-se pacientemente ouvindo as instruções do seu mestre. Não preciso dizer o quanto João amava o Presto. Mas ele também tinha muito espaço no seu coração para outras coisas. Você acha estranho que seu quartinho escuro com suas pequenas vidraças também ocupasse um lugar grande ali? Gostava do papel de parede com as grandes figuras de flores, em que via rostos, e das formas de que estudara tantas vezes quando estava doente ou acordado de manhã; gostava da única pequena pintura que estava pendurada ali, retratando pessoas rígidas fazendo caminhada, num jardim ainda mais rígido, por entre lagoas lisas nas quais jorravam fontes altíssimas e nadavam cisnes coquetes; acima de tudo, no entanto, ele amava o relógio de parede. Ele sempre o dava corda com cuidado e atenção, e julgava ser uma cortesia necessária olhar para ele quando batia as horas. Claro, isso só foi possível enquanto João não dormisse. Se o relógio tivesse parado por causa de um esquecimento, João sentia-se muito culpado e pedia-lhe mil vezes perdão. Você pode rir se o ouvir falando com seu quarto, mas repare na frequência com que a gente fala consigo mesmo. E isso não lhe parece ridículo. João, além disso, estava convencido de que seus ouvintes o entendiam perfeitamente e não precisava de resposta. Mas, secretamente, ele às vezes esperava por uma resposta do relógio ou do papel de parede.

Joãozinho tinha colegas de escola, mas eles não eram realmente amigos. Ele brincava com eles e conspirava na escola e formava bandos de ladrões com eles, mas não se sentia em casa até ficar sozinho com Presto. Uma vez com ele já nem pensava mais em meninos e se sentia perfeitamente livre e seguro.

Seu pai era um homem sábio e sério, que muitas vezes levava João consigo em longas viagens por bosques e dunas. Eles conversavam pouco e João costumava andar uns dez passos atrás do pai, cumprimentando as flores que encontrava e as velhas árvores que permaneceriam sempre no mesmo lugar, deslizando a sua mãozinha suavemente sobre a casca áspera. E então os bons gigantes agradeciam farfalhando.

Às vezes, seu pai escrevia letras na areia, uma a uma, à medida que avançava e João soletrava as palavras que elas formavam. Outras vezes, o pai parava e ensinava a João o nome de uma planta ou animal.

E, com frequência, João também fazia perguntas, pois via e ouvia muitas coisas misteriosas. Muitas vezes fazia perguntas estúpidas. Ele perguntou por que o mundo era como era e por que animais e plantas tinham que morrer e se milagres podiam acontecer. Mas o pai de João era um homem sábio e não dizia tudo o que sabia. Isso era bom para João.

À noite, antes de dormir, João sempre fazia uma longa oração. A empregada ensinara-lhe isso. Ele orava por seu pai e por Presto. Simão não precisava disso, pensava. Ele também orava por si mesmo por longo tempo e o fim geralmente era o desejo de que um milagre pudesse acontecer. E quando disse amém, olhava ansioso no quarto meio escuro para as figuras do papel de parede, que pareciam mais estranhos ainda na luz fraca, para a maçaneta da porta e para o relógio, onde o milagre podia começar agora. Mas o relógio continuava a fazer o seu tique-tique na mesma toada, e a maçaneta não se movia. Ficava bastante escuro e João adormecia sem que o milagre tivesse chegado.

Mas um dia isso aconteceria, ele sabia disso.

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