sexta-feira, 2 de março de 2012

Contos de Adriana Oliehoek


A VISITA

Parte 3

Lá fora, o dia começa a clarear. O comprimido surtiu efeito e a anciã consegue respirar um pouco melhor; um bem-estar tomou conta dela, enquanto seus olhos se mantêm fechados. O edredom com recheio de penugem não pesa no seu corpo. A Helena o comprou alguns dias atrás. Cobertores são pesados demais, escorregam da cama e ela, Cornélia, não tem forças para puxá-los de volta. Ela é levada por um sonho: sobe uma escada íngreme que a conduz ao sótão da antiga casa e tira os cobertores das camas. Com os braços lotados desce a escada. Os seus pés reconhecem cada degrau. O ar fresco da primavera penetra na casa pela porta aberta. Todos os anos, ela pendura todos os cobertores no varal para arejar. Um espetáculo colorido: duas fileiras longas de cobertores, onde seus filhos, agitados, brincam de esconde-esconde.
‘O edredom é bem levinho, não é, mãe?’, falara Helena.
'Ah sim, é muito gostoso’, murmura a anciã. Ela não sente o peso e também não sente mais a dor no seu braço quebrado.
Ela abre os olhos e olha apaixonado para Adriano que está sentado na cadeira dela. Como sentiu a falta dele nesses últimos anos! O namoro deles começou na época da crise dos anos trinta. Foi durante a quermesse anual na aldeia que o encontrou pela primeira vez. À noite, após a festa, ele a levou para a casa dela.
Como ficou apaixonada por aquele homem com seus olhos travessos de cor marrom e sorriso largo nos lábios! Nem o vigário conseguiu mudar o seu estado de espírito. ‘Termine esse namoro, Cornélia,’ ele dissera. ‘Esse rapaz está desempregado e não é porque o prato é bonito que ele está cheio de comida!’
‘Adriano!', ela diz com dificuldade; os seus lábios ressecados estão colados um no outro.
‘O que foi, Cornélia?’ ‘Nunca me arrependi de ter acompanhado você.’
'Nem eu, Cornélia, você foi uma mulher e tanto para mim. Sempre a primeira a levantar de manhã. No inverno, acender a estufa. Preparar o café da manhã. E quando eu, ainda cedo, estava tomando o meu café da manhã antes de ir ao trabalho, você já estava com a camisola aberta dando de mamar a um bebê. Sabe, Cornélia, eu adorava olhar para essa cena: você com um pimpolho nos braços. A casa ainda estava afundada no silêncio e os outros filhos dormiam no sótão. Ouvia-se apenas o gluglu da criança que tomava o seu leite.’
Ela volta a sentir a criança que suga no seu peito; uma sensação agradável que percorre o corpo e termina em algum lugar no baixo-ventre, enquanto os pequenos dedos da criança brincam com a sua pele. A lembrança a faz sorrir.
'Então você curtiu muitas vezes, Adriano, pois juntos tivemos muitos filhos!’
'A culpa é do vigário’! A sua voz demonstra certa revolta.
'Sem dúvida, Adriano. Mas não me diga que você não gostava.’
'Você tem razão, Cornélia, você sempre foi maravilhosa e as nossas noites de amor foram inesquecíveis.’
'Seu bobo!’ Ela ri a ponto de sentir dor nos seus lábios ressecados.
Falar a cansa. Ela fecha os olhos e mantém-se imóvel. Cachos prateados envolvem a sua cabeça. A sua pele é branca como cera e as rugas no seu rosto são profundas.
É verdade, Adriano a deu muitos filhos, dos quais criou dez com muito prazer: oito rapazes e duas moças. Principalmente, quando eles ainda eram pequenos, ela curtia os seus filhos. Graças a Deus, todos se saíram muito bem. São inteligentes e todos aprendem com facilidade. Todos os domingos, ela dava a cada um dez centavos para a biblioteca do pouco dinheiro de que podia dispor. Todos se tornaram sabichões. Às vezes até teimosos, querendo saber mais do que os pais. O fato de eles quase não mais frequentarem a igreja foi meio difícil de aceitar, mas é o novo tempo, difícil de combater.
Devaneando, a anciã relembra a sua história de vida, enquanto os seus olhos afundam cada vez mais nas órbitas e a pressão no peito se torna cada vez mais pesada. Desde a morte do seu filho Tiago num acidente trágico não sentira uma dor tão forte.

'Não está muito machucado, não é? Às vezes, é bem pior.’ A voz do enfermeiro que puxa a gaveta de dentro da câmara frigorífica soa muito longe.
Junto com Adriano, ela está no mortuário semiescurecido. Eles seguram um ao outro. Diante deles, está o seu filho, Tiago, pálido e silencioso. Mechas de cabelos estão coladas na testa úmida. Os vestígios de sangue foram mais ou menos removidos. Num reflexo, ela se aproxima. Quer tomá-lo nos seus braços e consolá-lo. Tirá-lo daquele ambiente gélido. Uma mão a impede. Não, não pode tocar nele. ‘O corpo foi embargado. O IML ainda vai fazer a autópsia. A senhora entende?’ Sem entender bem as palavras do enfermeiro, ela sai resignado da casa mortuária, deixando o Tiago para trás. Ela é uma mulher inteligente.
Adriano não conseguiu aceitar a morte do seu filho. Em um só dia tornou-se um homem velho. ‘É mais fácil ter dez filhos do que perder um,’ falaram um para o outro.

‘Adriano!’ Ela mantém os olhos fechados. ‘Que foi, Cornélia?’ ‘Tivemos que trabalhar duro e não foi nada fácil.’ ‘Sem dúvida, a nossa sorte foi que você sabia o que era arregaçar as mangas e que você tinha prazer no que fazia. Ao contrário, a gente teria passado um mau pedaço.’ ‘Também você deu o seu sangue na sujeira daquela fábrica, Adriano. E olhe agora para mim: não consigo fazer mais nada. O meu braço está quebrado e não tenho mais força nenhuma nas mãos.’ ‘Cornélia, querida, vem. Eu te tomo nos meus braços. Está na hora de a gente ir.’
Surpresa, os olhos da Cornélia se fixaram no branco do teto.
Lá fora, um novo dia começou.

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