sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Contos da Adriana Oliehoek


A VISITA

Parte 2

Cornélia observa a figura calada que está sentada na sua cadeira. Um lampejo de luz reflete na calvície. Poderia ser o médico velho, pensa ela novamente. Esse já pegara no sono uma vez na sua casa, de tão cansado que estava, enquanto ele veio fazer uma visita. Era um médico exemplar! Esse novo tem muito que aprender ainda. A única coisa que ele sabe é prescrever diuréticos. Recusar significa a sua morte, ameaçava ele. A urina escorria praticamente por suas pernas e cada vez de novo tinha que chamar a enfermeira; também à noite. ‘O que a senhora quer agora?’, perguntava impacientemente ao entrar no seu quarto. 'Fazer xixi, preciso fazer xixi’, respondia humildemente. Ela tinha medo que a enfermeira a puxasse pelo braço machucado, como fizera outra vez. Ela gritara de dor e queixou-se com a filha. ‘Ah, não! Essa não, mãe! Elas não têm direito de fazer isso!’ Zangada, Helena foi falar com a encarregada da enfermaria e fez com que o médico fosse substituído por uma médica, uma mulher simpática, que atende sem pressa e ouve com interesse as queixas. ‘A sua pressão está muito baixa’, diz ela após a primeira visita. ‘Por isso a senhora está tão cansada e sente tonturas’. Ela diminuiu os diuréticos e analgésicos e cortou os calmantes que a deixavam tão tonta.

Sempre pôde confiar no seu médico de família. Tanto à noite como durante o dia, podia apelar a ele. Praticamente todos os seus filhos vieram ao mundo com a ajuda dele. Menos os últimos dois, que nasceram no hospital. Dar á luz em casa era perigoso demais, depois que deu errado com os gêmeos: dois menininhos que não pesavam nem sequer um quilo e meio cada. Viveram muito pouco tempo. Adriano tinha razão. ‘Esses não vão vingar, Cornélia’, disse para ela. ‘Eles não choram, mas gemem. E isso não é bom.’ Algumas horas depois, eles morreram. Praticamente não se deu conta do acontecido de tão fraca que ela estava por causa da perda de sangue na operação. Adriano segurara com suas mãos quentes as mãos dela que estavam geladas. ‘Já estou contente de você ficar comigo’, sussurrava ele no seu ouvido. O especialista aconselhara a não ter outros filhos. Para ele era fácil falar, pois não conhecia o Adriano. Mais dois filhos saudáveis nasceram. Realmente, não se encontra facilmente um médico igual como o que a assistira todos esses anos. Se uma das crianças adoecia, ele vinha imediatamente. Como admirou esse homem quando, certa noite, bateu na porta. O seu neto tinha adoecido e seu filho e sua nora não puderam voltar para sua casa. O país inteiro estava paralisado por causa da geada. Estava impossível dirigir um carro nas vias escorregadias e o ônibus deslizara do caminho e fora parar no canal. Mas o velho médico encarou as intempéries. Com ferros amarrados debaixo dos seus sapatos, estava ele, no escuro, em frente a nossa porta.  Alegremente surpresa, ela exclamara: ‘Mas, doutor, que surpresa que o senhor veio!’ ‘Não se deve viajar com uma criança doente’, ele dissera, ‘e até agora não consigo fazer um diagnóstico pelo telefone’. Ela ficou muito triste quando ele se aposentou. Durante mais de quarenta anos ele havia visitado a sua casa e fora testemunho de tanta coisa.

A dor aperta pesadamente no seu peito. Catarro preso na garganta instiga a tossir. Só consegue tossicar. O homem na poltrona se mexe. Ela estende o braço bom em sua direção: ‘Doutor! É o senhor, doutor?’ ‘É melhor, não se mexer, Cornélia.’ ‘Adriano!’ É como se um relâmpago atingisse a sua cabeça. É Adriano que está sentado na sua cadeira. Ela sente o coração bater descompensadamente na garganta. 'Adriano, o que está fazendo aqui? Você morreu faz anos!’ ‘Eu vim por você, Cornélia. Estou esperando por você.’ Adriano, sinto tanta dor no peito, mas estou com medo de chamar a enfermeira. Elas parecem aranhas. Sempre ocupadas em tecer a própria teia, elas não têm tempo para ajudar um idoso quando este quer ir ao banheiro. Por isso, me colocaram uma fralda. Está ouvindo? Um fraldão, Adriano. Eu, que torci centenas de fraldas de pano, lavadas na água gelada do canal, estou agora de fralda! ' 'Tem razão, Cornélia, isso não faz sentido. Ainda me lembro de como estava repleto de fraldas o gramado em frente à nossa casa. Baldes de panos você pôs ao sol, para alvejar.’

Através da neblina do tempo, ela se dirige ao gramado coberto de orvalho. Com suas mãos fortes, ela procura os cantos, as pontas, e ouve de novo o estalo da batida, antes de estender as fraldas na grama. Às vezes, ameaçava chover. Inquieta, olhava para o céu e ao caírem as primeiras gotas, ela dava alarme: ‘Adriano! Meninos! A roupa!’ Todos que conseguiam andar corriam para o gramado, a fim de recolher as roupas estendidas. Como era gostoso o cheiro daquelas fraldas recém lavadas e alvejadas ao sol. 'Que é isso, Cornélia, puseram uma fralda em você? Não pode ser! Mas não vai demorar, viu.’ 'Adriano, na mesa está uma caixinha com uns comprimidinhos brancos. Se você colocar um desses embaixo da minha língua, é capaz de diminuir esse aperto no peito.’ ‘Tá bem’, responde Adriano. ‘Eu espero mais um pouquinho.’
Continua

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